Novo Ano Novo

É carnaval em todas as conversas
Que se tornaram inteiras numa toada
Para as pessoas diversas
Que, partindo delas, se tornaram amadas.

É Natal e ano novo em todos os lugares
Que se dizem inteiros ou vulgares.
É Páscoa e dia da bandeira
É tudo uma imensa zona de suave brincadeira.

Anos vão e vem, mas continuamos os mesmos,
E, ainda assim, nos fazemos diferentes a cada dia.
Não há destino, não há valor a esmo
A vida é toda planejada, a vida é uma sorte fria.

Mas o que é que tanto nos perturba?
Quais são nossos sonhos escondidos
Que nem virão a ser sonhos
Muito menos inimigos
                                 – de nossa própria sorte?

                                                             Onde foram depositados?
               
Resposta não há
Ano velho não há
                              E neste ano novo que agora vem até mim,
                              Que se crie compaixão e amizade.
                              Que o amor se valha enfim
                              Sem qualquer anomalia de ordem,
                              Sem medo e crueldade.

Que o amor domine a todos nós
Para que possamos conviver com pobres e ricos;
Para que sejamos únicos em meio a multidão sem voz,
Em meio às diferenças indiferentes de nossa incrível sociedade.
                       
                                                                                            Que o homem não seja aleto
                                                                     Mas que pense em segredo
                                                    Em um dia secreto
                                                                    (Para nós ainda)
                                                                                No qual o que surge do imediato decreto
                                                                                                  Seja um breve e eterno fazer.
                                                                                               
E se todas as coisas que desejamos não derem certo,
Que venha um próximo ano de esperanças
Para nos fazer crescer
– Não do sucesso,
Mas de nossa momentânea queda,
            nosso extenso aprender.

                                                                    Hoje os relógios pararão por um segundo
                                                                    E o tempo que já não é
                                                                    Verá um novo ano passar.

                          Hoje a harmonia contempla o mundo
                          E o – dito – mundo que nada quer
                          Espera ansiosamente por algo que realmente
                                                                               O faça querer mudar.
                                                                         

Vazio

Não sinto mais o mesmo de outrora.
O tempo passou e todos os meus sentidos foram afetados.
Pode ser o começo de um bloqueio,
Pode ser a morte criativa que um dia viria para me tornar Rimbaud,
O jovem poeta
Que foi poeta até falar tudo o que o vinha à mente.

Não sinto mais o amor que vinha me alegrar em todos os sonhos:
Dos menores – aqueles que sonhei por sonhar,
Como alguns poemas que fiz;
Aos maiores – como todas aquelas utopias que vivi…
Fossem políticas – como o jovem que iria mudar o mundo!
Fossem amorosas – como o maior amante, o Poetinha mais amoroso que qualquer um;
Fossem poéticas… fossem algo.

Caí no declínio por falta de imaginação,
O que significa que estou crescendo…
Ficando mais maduro e perdendo
Toda aquela criatividade infantil – perpétua! – até hoje.

Não sinto mais a morte ou a vida que sempre se opuseram a mim,
Fazendo um ziguezague, variando melancolia alegre e minha triste alegria.

Não sinto mais e jamais sinto desde que nada senti
Ao ver meu amor passar,
Ao ver minhas memórias no passado,
Ao ver meus amigos morrerem ao meu lado…

E agora escrevo novamente,
Mas escrevo por escrever…

Para ver se o vazio que me preenche
Vem o papel preencher.

Analepsia

O que está fazendo aí?
Vamos, desça!
Venha me encontrar,
Até que meu amor desapareça
De nossa simples existência.

É fácil perceber tudo o que vemos,
Então esqueça,
Venha dançar
Para que meu amor anoiteça
O que pousa em outro breve amar.

Distrações

As gotas de chuva que lhe trazem até mim
São distrações para nos perdermos
Nos espaços ocultos em nossas mentes,
Os quais chamamos de jardins,
Onde as flores que nascem
São sonhos não vividos;
São borboletas que voam em paz
Batendo de porta em porta
Tentando encontrar algum lugar tranquilo
Para contar as estrelas que caem
Enquanto fazemos o céu sobre nós.

Bandeirada

A humanidade não é minha.
A humanidade não é        
A humanidade não            
A humanidade                  
A humana                      O ego    
idade                        Toma conta
não.                         Do que conta
A humana                  Com o ego
A humanidade                            
A humanidade não                      
A humanidade não é                    A humanidade não é
A humanidade não é uma.                           A humanidade não é sua.

Praia do Casco

Nas conchas que revestem o solo dourado
Da praia do Casco,
Um bichinho patina em sua giganteza
Todo dentro de si,
Preenchido pelo asco
                  para se proteger dos perigos que assolam o solo da praia.

Nas conchas que revestem o solo dourado não há nada significante
Para quem não sabe o que significa explorar,
Mas até o bichinho com suas seis patas e sua pequena imensidão
Se aventura no desconhecido…
                                        É claro,
                                        não é homem para temer o que não conhece…

É bicho como todo bicho
                       Que se esconde em seu abrigo…

                                        Em sua concha, em seus cascos,
                                                                                       seus casacos.

IV

Amo um amor dourado,
Que é para o meu
Como um outro palpitado,
Um outro sonho, um outro coração.

E é também a eterna poesia
De um dia sem fim,
Que é por ser apenas,
Sem motivo ou circunstância,
Para um amor livre de razão.

Surpresa Natalina

O vigia ali da frente comeu mais do que todos.

O cidadão passava por aqui,
Dava uma olhada…
Voltava,
Espiava a casa ao lado…

Mas não tinha nada de errado!
Era noite de Natal!

                                      Lá pela 1h da manhã do dia 25 de dezembro,
                                      Seu Léo atravessava a rua enquanto todos festejavam.
                                      Tinha um ritmo acelerado
(de mais ou menos duas travessias por minuto),
                                      Indo de uma casa a outra e voltando carregado.

Passou por aqui, levou um pratinho cheio e um copo de Guaraná…

Ainda não me conformo
Dele ter comido mais do que todos nós…

Ano que vem serei segurança!

Ecce Ecce Homo

I

As fraquezas dos outros são motivo de minha grandeza,
Mas não se engane, posso não ser o melhor hoje, muito menos amanhã,
– Gigante é o que faz da miséria de sua existência
Um deleite para os outros.
Portanto, arrisco dizer que sou o que sou, pois me fiz assim,
Sem ajuda, solitário, sem precisar de qualquer apoio, até o momento,
E me criei como poucos o fizeram,
Como obra inigualável, um centro do universo,
Uma gama de talentos.

II

Desafio os grandes como eu, apenas, ou maiores,
Caso contrário, meu esforço não valeria a pena
E me cansaria por culpa dos menores.

Entrar em guerra e saber que já ganhou é a pior das vitórias.
Não suporto vanglória de quem vence o derrotado.

Desafio a me criticarem! E os ouvirei com prazer,
Para que, depois, possa acabar com seus argumentos
De forma a humilhá-los,
Mas não intencionalmente… minhas palavras os atordoariam
Por serem deveras poderosas e de suma relevância.

III

E não há mortal ou divino que se atreva a me espantar do arranha-céu de meu ego,
De minha intensa inteligência e lembrança
E também de minha perseverança e genialidade para tudo que me for requisitado.

Minhas fraquezas, muito poucas, são motivo de orgulho,
Pois são o que me mantém humano
Em meio à natureza divina que me foi dada
– Talvez por algum santo ou arcanjo que me venerasse.

Todavia,
Meu ego me abala algumas vezes.
Não entendo como não entendem que me enalteço, porque sou bom.
De forma alguma quero diminuir alguém,

Se não há maldade, não vejo razão para me privar do valor o qual mereço.

Fulano se diz melhor que eu,
Problema é dele.
Eu sou eu,
Sou poderoso, orgulhoso e firme
Como um monumento ou qualquer outra coisa
Que faça alusão a mim…

IV

E Ecce Homo!

                 O homem intrínseco ao homem,
                                 O homem ao avesso!
O homem associal, em seu mundo,
Em sua ampla bolha de profunda vaidade

– Homem que é melhor do que o homem em si.

Conversa Entre Amigos

No bar da Duque com a Sebastião
Sentei-me à mesa disposta na horizontal,
De frente para o mar,
Com meu amigo Jesus.

– O que cê vai bebê, Jesus?

– Ah, me vê uma cerveja, seu garçom.
– Não tem não, senhor.
– Jesus, você tá dirigindo! E beber faz mal. Me vê duas águas, por favor.
– Água. Tudo bem, sem gelo.

O garçom foi buscar.
E o mesmo voltou.

– Aqui. Duas águas, né?
-Isso mesmo.
                      Foi-se novamente.

– Já volto, vou ao banheiro, Jesus.
-Ok.

Fiquei ali um tempo, fazendo hora,
Pois Jesus não era de bom papo,
Mas voltei depois de alguns  minutos.

Quando cheguei o desespero tomou conta de mim!
Jesus caído!
Um ser sem qualquer noção de ética e tino!

Cheguei e avistei quinze garrafas de água jogadas no chão,
Ao lado do meu amigo, estirado,
Todo sujo e molhado…
Com cheiro de uvas…
Cheiro de vinho!

Jesus, safado tinha poderes,
Jesus divino!

Agora é só uma lembrança daquele ser, ex-amigo,
Que jaz em paz,
Assim como a conta em cima da mesa,
A water bill que agora tenho que pagar.

Alameda Dionísio Bentes, 33

Antes descansava
                  Ao cair da noite
Em nossos olhinhos pesados.

                                              Hoje não,
                                              A rua é deserta,
                                                                       A certeza é incerta
                                              E muitos dos que agora são memórias,              
                                              Deixaram de existir para nós
                                                                                – em nossas realidades infantis.

     Fico imaginando se a rua já era vazia
                              E se nossa presença a encheu com a mais profunda
                                                                                                            e sincera alegria…

As senhoras se sentavam à porta,
Os seguranças passavam de bicicleta,
                       E carros passavam desviando de todos…
Em um ziguezague, quase brincadeira.

E tudo acontecia ali…
Tudo que era importante para todos (sem que ninguém se desse conta…),
Em todos aqueles ordinários dias de singela e enorme diversão..
Com risos e felicidade inocentes
 
                              Que agora são passado,
                              Um lindo passado que carregarei comigo
                              Até minha vida passar
                                                                 – E se tornar mais uma rua
                                                                    Em outro país de memórias.

Perda Mórbida

E se eu morresse agora?
                           – Pergunto-me ao escrever este poema.
Em alguma parte alguma
O pesar de minha existência
Tornaria alegria tudo que foi ódio
E, para minha felicidade,
Todos que alegrei – a grande maioria, suponho,
                              Me amaria mais,
Apesar e por ter morrido.

É claro que seria bom para mim,
Mas desconheço tudo que acaba em fim
Por isso tenho pena…
Pena de saber que só os mortos aproveitam a morte
                             – Mesmo sem aproveitar, de fato
E de saber que os que ficam é que morrem,
                             – Momentaneamente,
Pela dor de se dar conta de que os que se vão,
Ao contrário do que pensamos em vida,
São insubstituíveis.

Cidadezinhas Quaisquer

Em uma cidadezinha qualquer,
Onde nunca estive,
Toda imagem é herança,
Passado, presente
E também futuro.
Não o meu,
Mas o de muita gente
Que talvez nunca exista
Em minha por vezes altaneira,
Por vezes humilde e sutil lembrança.

Em uma cidadezinha qualquer,
Um lindo povo se esconde,
Mas não é lindo de beleza, não.
Muito menos de coração…
É lindo de cultura, simplesmente.
Uma pena se nunca for encontrado…
Se se perder por aí…
Como as riscas no chão se perdem no verão chuvoso,
Como as montanhas se perdem num mapa artístico-rugoso
E o tempo que se vai,
Perdendo-se em si mesmo e em outros tempos,
Levando consigo outros povos
De outras cidadezinhas quaisquer.

Sono Celeste

Viajando descubro um mar de nuvens
Que não sobe nem desce
Quer termine ou comece
A pensar no que pensar
Enquanto minha mente adormece.

E nesse mar divago sonhando
Em um dia sonhar tamanha grandeza,
A ser estudada e comprada
Por duques de asas,
Diversa celeste nobreza.

Dispersão de Pontos

Dependendo do ponto de vista,
             Dependendo do ponto,
                            Dependendo dos olhos, é claro…

                                                  Telhados são tapetes,
                                     Carros são pedras,
                                                       Pessoas formigas
                                                                         E nós gigantes.
            Mas e o olho?
                             E os olhos?
                                            Quem são?
                                                       Onde estão

                                                                    Na dispersa dispersão
                                                                                             que o mundo cria
                                                                                                                  com diversos pontos?

Algumas coisas não importam,
              mas que coisas?

E o que fazer com o que importa se só importa depois de tudo?

                                                Um pouco de ar talvez seja a resposta…

                      Mas, no dia em que nada importou,
As coisas se tornaram minhas e suas
E de ninguém ao mesmo tempo.
               
                      Se tornaram distantes e irritantes, inquietantes e, veja só, diamantes!
                                                                          – apenas para os que já se foram,

Pois tudo que importa já foi,
Como as formigas pessoas,
Pedras carros,
Tapetes telhados
E a poesia construtiva do poema…

Bem como nós e ninguém
                                             
                      Que se preze ou que reze para ser alguém.

E as coisa que faço para chamar atenção
São apenas objetos de minha transformação
Em algo que quero ser
                              Mas se não conseguir, o que será de mim?
Não terei rosto
Não terei casa e família

Muito menos dinheiro pra viver.

                                         Mas um dia o sol vem até nós e tudo dá certo
                   Até morrer,

Até que não haja certeza em cima do incerto
Muito menos terreno para tantos pontos,
Muito menos poemas e máscaras.

Talvez exista ópio apenas,
Mas não se sabe,
Não se sabe nem o que se sabe, afinal.