as luzes irrigam as paredes brancas,
e apontam a umidade deste cubículo-quarto,
neste dia frio e angustiante.
no líquido emparedado, os desenhos talvez se formem.
vejo, talvez, uma casa em meio à neblina; talvez uma pessoa-silhueta.
não sei, realmente. nada sei. de tudo me esqueço. prefiro esquecer.
todos vêm e vão. passam e não conversam, parecem desesperados.
e nem ao menos sei quem são. não consigo. minha vista turva
não permite deduções.
parece que me disseram chamá-lo para uma rápida sessão.
talvez uma consulta. não sei. nada importa, realmente,
no estado em que me encontro. em que nos encontramos.
a vida é curta, e já se esgotou em mim. a cabeça marulha
com ondas imperceptíveis. a cabeça queima feito motor,
mas o carvão que resgatou os comprimidos já não arde. nada sinto.
quem sou eu? não sou ninguém. ninguém que importe, realmente.
e quem importará? quem se importará com os que já não querem viver
e são egoístas porque não podem fazer sofrer quem para sempre sofrerá?
estou assustado, mas não demonstro. acredito que meu rosto esteja sereno.
levaram minhas roupas, visto apenas um uniforme de paciente.
tudo que tenho é um corpo. tudo que tinha se foi.
os lençóis são muito finos para me aquecer neste frio de outono.
as luzes irrigam as paredes, e meu rosto de choro…
choro muito, mas ninguém vê. ninguém se importa, realmente.
tive paz durante toda minha vida. fui livre. fui sempre amado.
e o que tudo isso valeu? se não nos amamos, que amor curará
os traços e aspectos de nossas doenças mentais?
abro as mãos pela primeira vez após minutos de doída reflexão.
estou deitado, ainda, e não ouso levantar. muitos cabos e caninhos
me conectam ao mundo, de onde tentei escapar.
as mãos, abertas, com dedos bem afastados, se ruborizam,
mas logo se embranquecem, da cor da cama, da cor das paredes
e de quase tudo neste cubículo hospitalar.
meu universo é restrito, sei disso. mas ainda posso imaginar:
os desenhos das paredes talvez ainda não tenham se apagado.
e, por perdurarem, consigo lembrar-me. não esqueço. ainda não.