Começo a desconhecer-me.
Mês: dezembro 2015
o que se foi de mim
o que se foi de mim é efêmero e desconexo.
não cheira a flor que em si carrega,
não perfuma com suas formas e volumes
a estrada pela qual atravessa.
e o caminho é sossegado,
quando não há tormentos
martelando a cabeça,
quando não há indesejados
inquilinos habitando
o espaço alheio.
como pensar no futuro
se tudo que se foi permanece?
a lembrança dos mortos,
o material e o intangível…
o que se foi de mim
é infinito e imutável.
Stars
I’ve become accostumed to the way
Até
Quão longe
sou muito mais que a maioria
de meus colegas desprezíveis,
que só pensam em si
em enaltecidos adjetivos,
cujo intento seco e ardente é
fazer de nós inimigos uns dos outros.
sou muito mais
desprezível.
sigamos por este universo inquieto,
pela masmorra de nossas mentes.
fumemos um ou dois cigarros
enquanto caminhamos, e deixemos
a fumaça nos carregar pelas espáduas
nuas, juntas e levemente tortas
enquanto ele, o fumaceiro,
adormece e envolve, silencioso,
apenas nossos pensamentos.
ardiloso o caminho entre a fé e a descrença,
porém, o suficiente para animar os espíritos
céticos e, sobretudo, livres.
o mundo é lindo quando se tem um Amigo.
melhor quando o criamos de acordo com nossos
anseios e necessidades.
fumarei outro, pois já estou deveras fodido.
vamos em frente.
as portas, assimétricas, umas na horizontal,
outras na diagonal e outras, ainda, como estamos habituados,
trancafiadas em corpos que não as valorizam,
dão em corredores e escadas, à maneira de Escher,
que ligam tudo – e nada, simultaneamente.
nisso, tudo obscuro, secreto e entrevado, como envolto
numa película negra de infelicidade.
sou muito mais que meus colegas desprezíveis.
muito mais desprezível,
muito mais substituível.
muito mais penumbroso e contido.
Hidrografia
os rios de teu amor se perdem em estuário.
os braços, abertos, que te sustentam,
que me preenchem e não me ausentam,
contudo, não descreverão deltas ou nascentes.
sou a forma amorfa do conteúdo das gentes,
somos a história descrita em meu diário:
o sofrimento cessa à ideia de teus olhos abertos,
que miram a felicidade em um mar cerúleo e dissoluto,
de lágrimas que secam e se unem, num amor absoluto,
que, entretanto, bruscamente se faz sozinho,
onde a onda que deságua nas praias, sem rumo, sem caminho,
ainda é vista como perigo para os banhistas – nada despertos.
os rios de teu amor, sem sentido, depois de meu verso,
ainda se perdem em estuário, e os braços ainda no encalço
das conchas e pedras ainda estão num campo semântico descalço,
que rejeita qualquer tipo de crepitante emoção,
que desrespeita qualquer tipo de sentimento incendiário, de supetão.
e o maior mistério dos oceanos ainda é o que se despeja em seu universo.
Náufraga
Não te afogues.
O naufrágio é apenas passageiro,
e dias melhores virão.
Em algum lugar, pensam em ti.
Em algum lugar, choram a tua ausência.
Em algum lugar, estou a procurar teu rastro,
há tanto desbotado e esvaecido.
Não te afogues, portanto.
A dor que causaria teu abandono
seria maior do que a de um afogamento precoce
e absoluto.
Preciso… em ti.
Preciso de ti.
–
é desesperador
Fracasso
fumo, pois é mais fácil
High Hopes
High Hopes,
e a lembrança de quem?
A tua
falta é minha.
A luz
que emana
dos teus lábios
beija os olhos do sonhador.
O desejo, a ambição
unidos no ventre
pelo que caminha entre
a dor e a perdição.
Pulse, pulse!
– dizem os cartazes.
Farejar as
pegadas
não cessará
meus passos.
Do outro lado,
dormem, nus, os casais
estrábicos, que se apaixonaram
por uma ilusão.
E eu, aqui, penso:
o que seria de mim
sem um amor despropositado?
o que seria de mim
sem um eu cego – ou apaixonado?
Mas sinto…
tanto…
[por estar
em teu coração]
por mera culpa
ou falta de melhor opção.
A uma desconhecida
Sou o outro, sou tu e até mesmo eu,
sou de todos – só sendo teu.
Inspiração
Inspire-se com as coisas que demonstram
do ateísmo
Abandonei a Divindade
quando conheci meus numes,
pois só com eles tenho felicidade,
e todos a mim são lumes!
Estive só, porém feliz.
E se estiveres também,
veja, solitário, ainda ris
– com um maravilhoso desdém.
Ele me observa, ainda, com saudade.
Ele depende de mim para existir.
Bebamos e sonhemos à luz da mocidade,
do sóbrio espírito, que me faz sorrir.
Bebo à memória do Deus vivo, que morreu
enlouquecido – por um povo que não o merecia.
Hoje, sem ser divino, um triste e simples filisteu,
aos que aceitam a realidade e sua melancolia.
A quem tu bebes, glorioso e liberto só?
À gente que te matará por seres quem és?
À lembrança de termos vindo do mero pó?
Às crenças implausíveis de um povo a teus pés?
A vida tem suas belezas,
mas dádivas são o ceticismo,
a mente livre das tristezas,
e a libertação do cretinismo.
Prefiro drinks mais pesados e profanos.
O senhor gostaria de ver a cortesã Maria
em espetáculos obscuros, lesbianos?
Creio em todo tipo de poesia.
Não? Insaciável a falta de entendimento…
Foi bom conversar contigo,
todavia, preciso seguir desviando do sofrimento.
O mundo é lindo quando se tem um Amigo.
Precisamos escrever sobre atrocidades,
nós, meros poetas ateus.
São ocultas e marginalizadas nossas verdades,
mas agora tenho que ir. Adeus!