A mim

Começo a desconhecer-me. 

Apesar de ter sido o que os outros fizeram de mim,
o que a vida me tirou e, em si, substituiu é rico. Enfim existo.
Agora, sou o que não sou e o que pretendo ser.
Sou a ínfima parte de uma existência
– em um universo desconexo e encantador.
Começo a esconder-me,
e os versos são meu refúgio.
O Naufrágio se foi e com ele parte de minhas amarguras.
“Por que não todas?” – você me pergunta…
Ora, não seria vida se não houvesse lamúria.
O infinito sossego é, enfim, a paz interior,
é sentar e ler um livro sem pressa em terminá-lo,
é desligar os meios de comunicação
e estar no sossego de mim mesmo por um segundo
– sem mágoas ou ressentimentos.
Começo a desconhecer-me,
e por isso meu peito suspira.
Estou envolto, novamente, por uma camada de glória
e de tesão.
“O que a vida te reserva?”
Um mistério próximo ao devaneio 
de um poeta deprimido.

o que se foi de mim

o que se foi de mim é efêmero e desconexo.

não cheira a flor que em si carrega,
não perfuma com suas formas e volumes
a estrada pela qual atravessa.

e o caminho é sossegado,
quando não há tormentos
martelando a cabeça,

quando não há indesejados
inquilinos habitando
o espaço alheio.

como pensar no futuro
se tudo que se foi permanece?

a lembrança dos mortos,
o material e o intangível…

o que se foi de mim
é infinito e imutável.

Stars

I’ve become accostumed to the way

my own clasped hands stay by my chest
when I lay on my bed 
to count the stars above.
Though, lately, my mind started filling the holes
they leave when they fall,
they still shine so bright as the eyes of my love
when she looked at mine.
And now, I keep thinking if she still looks at me
while I’m starring at the sky…
searching for those little globes…
wondering if they still feel the same.

Até

apesar de hoje só encontrares sorrisos
em meus olhos escancarados,
verei, no futuro, lágrimas nos teus,
e, nesse dia, 
chorarei como um menino triste
assim como Pablo foi…
assim como eu sou.
deixarei o perfume de teu corpo,
as palavras que evoco para e por ti.
deixarei minha fortaleza, querida,
e, então, sucumbirei ao que nunca disse,
ao que nunca atingiram meus versos…
melancólicos demais para mostrar qualquer
quantidade de amor.
assim, partirei
e não mais beijarei teus olhos semiabertos
na escuridão cinzenta de um domingo à noite,
quando os fantasmas despertam
e somente nós podemos espantá-los.
não serei mais eu que enaltecerei tuas qualidades,
tua inteligência e todos os trejeitos e manias,
que sempre foram tão especiais para mim.
não serei mais o mesmo,
porque, nesse dia, quando chorares,
eu terei falhado.
terei permitido, apesar de ser comum à vida,
a tristeza de entrar em tua mente.
portanto, direi adeus.
e nunca mais nos veremos.
encontrarás outro que te dará amor,
te lembrará como és linda à luz de seus olhos
e te fará ser, novamente, feliz como sempre fora.
mas não me esquecerás.
porém, não espero que te lembres.
o futuro te reserva felicidade,
e isso não é cabível quando se ama 
alguém totalmente insano e instável…
alguém mentalmente doente – como eu.
quanto a mim, só o tempo dirá.
se é que ainda tenho tempo aqui.
contudo, onde quer que esteja,
lembrarei de ti.
lembrarei dos instantes e intentos,
da chama que despertaste em meu
choroso coração abrasado,
do eco que soaste em mim,
da aprendizado e do esquecimento…
estes, minhas maiores virtudes.

Quão longe

sou muito mais que a maioria
de meus colegas desprezíveis,
que só pensam em si
em enaltecidos adjetivos,
cujo intento seco e ardente é
fazer de nós inimigos uns dos outros.

sou muito mais
desprezível.

sigamos por este universo inquieto,
pela masmorra de nossas mentes.
fumemos um ou dois cigarros
enquanto caminhamos, e deixemos
a fumaça nos carregar pelas espáduas
nuas, juntas e levemente tortas

enquanto ele, o fumaceiro,
adormece e envolve, silencioso,
apenas nossos pensamentos.

ardiloso o caminho entre a fé e a descrença,
porém, o suficiente para animar os espíritos
céticos e, sobretudo, livres.

o mundo é lindo quando se tem um Amigo.
melhor quando o criamos de acordo com nossos
anseios e necessidades.

fumarei outro, pois já estou deveras fodido.

vamos em frente.

as portas, assimétricas, umas na horizontal,
outras na diagonal e outras, ainda, como estamos habituados,
trancafiadas em corpos que não as valorizam,
dão em corredores e escadas, à maneira de Escher,
que ligam tudo – e nada, simultaneamente.

nisso, tudo obscuro, secreto e entrevado, como envolto
numa película negra de infelicidade.

sou muito mais que meus colegas desprezíveis.
muito mais desprezível,
muito mais substituível.
muito mais penumbroso e contido.

                                                                          eles estão vindo.
melhor fingir o adormecimento,
fechar os olhos
e pensar noutra coisa.

Hidrografia

os rios de teu amor se perdem em estuário.
os braços, abertos, que te sustentam,
que me preenchem e não me ausentam,
contudo, não descreverão deltas ou nascentes.
sou a forma amorfa do conteúdo das gentes,
somos a história descrita em meu diário:

o sofrimento cessa à ideia de teus olhos abertos,
que miram a felicidade em um mar cerúleo e dissoluto,
de lágrimas que secam e se unem, num amor absoluto,
que, entretanto, bruscamente se faz sozinho,
onde a onda que deságua nas praias, sem rumo, sem caminho,
ainda é vista como perigo para os banhistas – nada despertos.

os rios de teu amor, sem sentido, depois de meu verso,
ainda se perdem em estuário, e os braços ainda no encalço
das conchas e pedras ainda estão num campo semântico descalço,
que rejeita qualquer tipo de crepitante emoção,
que desrespeita qualquer tipo de sentimento incendiário, de supetão.
e o maior mistério dos oceanos ainda é o que se despeja em seu universo.

Náufraga

Não te afogues.
O naufrágio é apenas passageiro,
e dias melhores virão.

Em algum lugar, pensam em ti.
Em algum lugar, choram a tua ausência.
Em algum lugar, estou a procurar teu rastro,
há tanto desbotado e esvaecido.

Não te afogues, portanto.

A dor que causaria teu abandono
seria maior do que a de um afogamento precoce
e absoluto.

Preciso… em ti.

Preciso de ti.

Fracasso

fumo, pois é mais fácil

esfumaçar as angústias 
do que resolvê-las 
uma a uma.
fumo, e nada muda.
domingo a gente nunca esquece.
cama, 
mesa, tv, mesa, 
               cama.
os poetas 
descansam 
ou escrevem a pieguice 
que é um domingo 
e aquela velha
“chatice” da semana,
que ainda nem veio,
mas já é lamuriada. 
fumo esses textos
junto com os meus,
pois é tudo um fracasso.

High Hopes

High Hopes,
e a lembrança de quem?
A tua
falta é minha.

A luz
que emana
dos teus lábios
beija os olhos do sonhador.

O desejo, a ambição
unidos no ventre
pelo que caminha entre
a dor e a perdição.

Pulse, pulse!

– dizem os cartazes.

Farejar as
pegadas
não cessará
meus passos.

Do outro lado,
dormem, nus, os casais
estrábicos, que se apaixonaram
por uma ilusão.

E eu, aqui, penso:

o que seria de mim
sem um amor despropositado?
o que seria de mim
sem um eu cego – ou apaixonado?

Mas sinto…
tanto…
[por estar
em teu coração]

por mera culpa
ou falta de melhor opção.

A uma desconhecida

Sou o outro, sou tu e até mesmo eu,

a chama que esfria a alma inquieta,
a dor que ao peito suspira e aquieta:
sou de todos – só sendo teu.
Teus espíritos metamórficos e teus ditames
singelos e humorados, 
sozinhos, porém sempre acompanhados,
todos corações envoltos na película de arames…
Intocável, sou a mísera parte de tua memória.
Sou a ínfima parte de alguém que não se conhece,
e sou, para ti, algo que me entristece,
por achar que sou tudo e, do todo, tua história.
Sou para mim um nada de um todo.
Talvez aches que sou mais que isto,
todavia, logo e sempre desisto,
pois estamos sempre distantes, de todo modo.
E, embora sejamos, de fato, desconhecidos,
quero que minha palavra perfume teu corpo,
quero ser mais que outrem, pouco a pouco,
quero, com amor, curar nossos corações adoecidos.
Mas a verdade é que gosto de conversar,
de tua presença, mesmo não estando,
e, de ser, por vezes, mais que um estranho,
que somente deseja ter alguém para amar.

Inspiração

Inspire-se com as coisas que demonstram

sua paz interior, sensações e amores.
Inspire-se com tristezas que cantam
a impotência e todas as suas dores.
O cheiro matinal do pão, o leite derramado,
o som e a fúria da outra boca na sua,
o sonho e o pesadelo, o coração apaixonado,
poesia verdadeira, inspiração nua e crua.
Inspire-se com as coisas pequenas,
com a imensidão do hoje em sua mente,
com o desgrenhamento das melenas,
com a cabeça em devaneio, lúcida – ou doente.
A folha dourada, já morta – para um,
símbolo de um fim de ciclo, para outro.
O néctar e o âmbar, o silêncio e o boom,
o que para mim é muito, para outro é pouco
Inspire-se com a coisa que não lhe canse,
pois o nunca sempre chegará
se o sempre não se permitir o alcance
que o poeta jamais alcançará.
Portanto, das coisas próximas, a saudade,
do longínquo, planos distantes e metamórficos.
Erga seus olhos cabisbaixos para a sobriedade,
e com a ebriedade, poetize seus olhos antropomórficos.

do ateísmo

Abandonei a Divindade
quando conheci meus numes,
pois só com eles tenho felicidade,
e todos a mim são lumes!

Estive só, porém feliz.
E se estiveres também,
veja, solitário, ainda ris
– com um maravilhoso desdém.

Ele me observa, ainda, com saudade.
Ele depende de mim para existir.
Bebamos e sonhemos à luz da mocidade,
do sóbrio espírito, que me faz sorrir.

Bebo à memória do Deus vivo, que morreu
enlouquecido – por um povo que não o merecia.
Hoje, sem ser divino, um triste e simples filisteu,
aos que aceitam a realidade e sua melancolia.

A quem tu bebes, glorioso e liberto só?
À gente que te matará por seres quem és?
À lembrança de termos vindo do mero pó?
Às crenças implausíveis de um povo a teus pés?

A vida tem suas belezas,
mas dádivas são o ceticismo,
a mente livre das tristezas,
e a libertação do cretinismo.

Prefiro drinks mais pesados e profanos.
O senhor gostaria de ver a cortesã Maria
em espetáculos obscuros, lesbianos?
Creio em todo tipo de poesia.

Não? Insaciável a falta de entendimento…
Foi bom conversar contigo,
todavia, preciso seguir desviando do sofrimento.
O mundo é lindo quando se tem um Amigo.

Precisamos escrever sobre atrocidades,
nós, meros poetas ateus.
São ocultas e marginalizadas nossas verdades,
mas agora tenho que ir. Adeus!