nação nenhures

por aqui é sempre a mesma história:
não há Anjo que preste socorro…
o Reino está cheio de memória:
mas quem sempre paga o Pato? morro…

relembro as almas que se desfazem:
enganadas, mudas e despedaçadas…
almas sem o concolo de uma rima
ao final do verso que se acaba.

ego

quero visualizar-me com o ideal que te idealiza,
sendo, para mim, tudo que sorrio, amo e entrego,
feito amor implacável, que faz menção ao ego
para uni-lo a outro que jamais se hostiliza.

na palavra, o ego esquecido se materializa,
e é no subjetivo que me aceito e me nego
e no doído que me concentro e me enxergo,
pois só assim, uma vez, algo me focaliza.

linguagem

toda a linguagem,
derrotada no desespero,
sangra o calado falante,
imerso em quietude,
definhando, triste,
as possibilidades
na mente histérica.

e aqui permaneço e contesto seu calar:

– vós só sois vós se sois parte de vossos ouvires?

poemeto qualquer

anuncio poesia como anúncio de jornal,
mas a poesia inexiste em lugares alguns!
disseram, e eu, poeta das trevas,
esqueci-me deles e soltei uns puns…

esfaqueei a manteiga e dilacerei o miolo do pão…
aí me descobriram e eu disse: “arrasou!”
apanhei, mas valeu o estômago cheio…
foi a primeira vez que comi o que o diabo amassou.

minha maior surpresa foi ter roubado os livros do sebo
e ter vendido tudo pela metade do preço…
me descobriram, como sempre (sou péssimo ladrão),
e me colocaram pra lavar a casa toda… agora me diz: mereço?

e o que fiz com a poesia? que poesia, menino…
tenha modos. aqui não é casa da mãe joana, não.
se quer poesia, tome forma, tome jeito
e um dia será como Roberto, Carlos, o grande sapão.

Signos

o poema que se desfaz em signos,
para um leitor apressado e dissoluto,
não comove, não faz refletir, não é…
não, não e não!

se não for para sangrar, para que uma voz?
decretei minha mão sobre o papel
e o que sangrei não foi estancado,
não foi consumido, não foi lido ou comentado…

é preenchido de memórias e lamúrias,
o poema que se desfaz em gritos,
para um poeta dificilmente intencionado
ou consciente de seus atos.

então, a insanidade do poema transforma
sua artificialidade e seu caráter excepcional:
o poema é a igrejinha em que se deposita preces.
mas para nós, cada poema é uma imensa catedral.