Perdeste-te

Perdeste-te em tuas florescências,
querida, fruto de minha imaginação
e alimentada pelo amor e ilusão
de minha nobre e sutil ciência.

Perdeste-te e já nem sabe quem és,
nem se sonharás ou verás o mundo
com teus olhos de miséria, imundos,
caminhando em perigo ao viés.

E já nem me preocupo se viverás
ou se em tua batalha ou guerra
em tua mente morrerás.

E já não sei se quero que venças
ou que continue a cegar a Terra
com todo mal que causou com tuas desavenças.

Teus braços choram, abertos

Teus braços choram, abertos,

a meu coração vasto e deserto
– agonizando em melancolia,
em mãos pequenas, negras e frias.
Deixam em mim um fúnebre clarão incerto
que somente prolonga o mal em mim coberto
e vislumbra vísceras de meu próprio bem,
levando contigo minha alma, céus e vida além.
Causam o terror dos meus, desunidos,
teus olhos de agonia e horror 
que sentem-te tão depressivo.
E causam a doença e desgraça
de meu coração progressivo
tuas lágrimas e versos de ameaça.

Pequenos aviões de papel

a porta está fechada
pessoas sobem e descem escadas
não estamos prontos para ir
apenas olhamos pela janela
e todos arrumam suas coisas

a sala é preenchida com um vazio estridente
que não arde, nem toca, apenas se esvazia,
e apenas está ali.

a porta está fechada
a janela também se fecha
e nossos sonhos vão embora
em pequenos aviões de papel.

Percepção II

Percebo tudo – desde o pequeno orvalho que escorre dos olhos, maduros,
até os carros que mugem e encalham-se em solidão e agonia.
Percebo a fauna em detrimento aos cansados homens
e aos homens que já não somos.

Percebo tudo sem ser percebido por conta da timidez
que eu mesmo atribuí a mim sem intenção e por, somente, medo.
Percebo tudo em mim, mas não compreendo
e sofro, corro e tento fugir deste corpo impaciente, mas não consigo.

Percebo tudo – das noites pintadas com graxa fosca e alaranjada
à sofreguidão das estrelas impassíveis e deveras solitárias.
Percebo a noite, mas não a sinto e, se sentisse, talvez
não soubesse diferenciar nossos cantos, separados.

Percebo o mundo sem ser visto e percebo a gente
sem ser homem. Percebo tudo aos olhos de uma criança
e sofro como um velho homem entrando na putrefata
zona de agonização.

Meus olhos são tudo, mas nem tudo são meus olhos.

Violinos tocam nossas vozes distantes

violinos tocam nossas vozes distantes,
e, agudas, partem ressoando à procura de um poema
concretamente ausente de palavras.

e sentem saudade das vozes que se foram,
e caminham solitárias como se nada fossem.

violinos tocam nossas vozes eternas,
e, sozinhas, partem ressoando, em simpatia,
suas vizinhas dispersas.

já é noite no musical,
já é hora de partir.

Algo

quando não consigo cantar meu coração
e sinto-me sufocado, apenas canto pensamento
e somente penso em você.
nunca trocamos mais do que poucas palavras
e nem mesmo sabemos quem somos.
escutamos vozes de outras pessoas
e nos perdemos nos olhos um do outro.

Depressão II

Vejo ninguém,
deixe-me em paz,
já não penso, não durmo, não vivo…
deixe-me sozinho!

Apague as luzes,
deixe-me em paz,
já não como, não respiro, não vivo…
deixe-me sozinho!

Tire-me do inferno de minha mente,
afaste-me… destes… pensamentos…
eles… me… consomem…
fico… lento…

Sofrendo em solidão
e saudade de outros tempos,
e inveja de tempos alheios…
sofrendo em agonia e desespero.

Vejo ninguém,
já não penso, não durmo, não vivo…
deixe-me sozinho!
Deixe-me morrer!

Um sei lá

Acalme-se, nem tudo vem fácil,
mas tudo acaba se perdendo
desbotando em frustrações.
Só precisamos de paciência
para lidar com o mundo.
Não se entristeça.
Caso não dê certo,
saiba que este é apenas
fruto de um combinado de erros.

Tão dispersos e distantes

Tão dispersos e distantes,
aglomeram-se lado a lado
nossos corações solitários.

Tão intensos e gritantes
emocionam-se em quietude
nossos dúbios sentimentos.

Confundem-se, seus olhos,
em amores inexistentes e paixões inventadas,

E cantam, cantam e amam
com amor e razão intercaladas.

Clínica

Visitamos a casa dos loucos
e me identifiquei com alguns deles
embora não fosse a mesma coisa
que estivesse sentindo ou que fosse.

Andamos pela portaria até um jardim maior
em companhia de uma guia que pouco falava
e muito respondia perguntas que sempre faziam
com respostas com as quais sempre respondia.

Um dos loucos me encarou e pude sentir
sua esquizofrenia me consumindo,
apesar de não ter, de fato, tido grande
impacto em mim – exceto a memória.

Ele estava sentado. A camiseta vermelha desbotando
em sentimentos incompreendidos e em olhares
adversos e temerosos… já não havia muito para ele
somente o tratamento medicamentoso e uma vida de ansiedade.

Demos a volta e entramos num quarto para dois.
Metade bagunçada, metade uma bagunça.
Uma TV, duas camas e um dito banheiro para
dois loucos e meus grandes aforismos egocêntricos.

Todos nos olhavam e já me sentia desconfortável,
então, fomos embora, embora nada ali houvesse…
somente esperança e tratamento… alimentando
a sede de vida que todos ali tinham.

O rapaz caminha só

O rapaz caminha só
em nuvens de tristeza
e versos de melancolia.

Ele caminha e nada vê…
está doente,
já nem é tempo.

Vozes em azul,
a vida no rosa
e o sentimento superestimado;

Poemas dispersos;
ressoa na noite
um amor eternamente renovado.

Fim

suas asas sujas caíram;
seus amores e sonhos partiram;
sua esperança e coragem sumiram;
seu ego e ansiedade a mim destruíram.

e o que sobra de todo passado
é um futuro repleto de memórias,
que só perpetuam a dor do abandonado
e eternizam a sofreguidão da vanglória.

aos poucos, inimigos…
cada vez mais, pontos distantes
num segmento infinito
de tristes amores, amantes

aos poucos, refletidos…
um no outro como espelhos mentirosos
de cunho retido
e, solitários, estirosos.

suas asas sujas caíram;
seus sonhos partiram;
sua esperança e coragem sumiram;
seu ego e insanidade a mim destruíram.