agonizar

Ela disse

que o fundo do poço
de mágoas
em que estive imerso
está começando 
a secar,
mas só eu sei
que as lágrimas 
que o alimentam
só abandonaram 
a aparência
para viverem
dos ecos e universos
de uma poesia
insalubre 
e sem rédeas,
que só cessará 
em meu mais
tênue instante
de vida,
no mais calado
som de minha 
agonia.

Às lágrimas

lágrimas se estendem sobre minhas mãos
e escorrem até o papel frouxo
fraco… como sou
enquanto os guardanapos se preenchem
com a dor de estar sempre imerso
em palavras saturadas
em um rol de desistências
em uma mente escancarada
para todo tipo de miséria
lágrimas se estendem sobre meu verso
e o sangue pollockeia pelas tormentas
de um corpo dilacerado pela depressão
pensam escorrer à luz, a um fim memorável
e eternamente feliz e recompensador
mas impregnam no papel
e, assim, são como lembranças 
para uma cabeça absorta e compelida 
pelas mágoas de uma existência inexistente.

A respeito dos suicídios

Espero atribular como estou me atribulando
e mostrar aos indiferentes que estamos lutando
pela vida e existência, que nunca teremos,
pelos sonhos e ilusões, que não sonharemos.

Espero, um dia, poder cantar pelos cantos,
mas, olhe à tua volta, tristes somos tantos!
não há critério para a distribuição de sofrimento:
estaremos sempre fadados ao tédio e ao tormento.

A angústia de quem vive martela o peito
em pânico e soluços, rabiscos e suicídios – todos os dias.
Zé Susto, meu caro Johnny Panic, vem sem jeito

e atiça a inconstância, objeto de minhas poesias.
Não te preocupas com o sumiço dos teus afeitos,
e, enquanto dormes, todos pensamos se também te matarias.

À corda

o pescoço, à corda
gira

esperança de vida
aqui
tudo que vejo é parte
do meu inferno

a voz escassa
o silêncio de meus
companheiros
a asfixiar
sonhos e ilusões
perdidas

não irei longe

e tudo parece
ser o que não será

e este poeta, que com tudo
entristece
jamais em seu mundo se apoiará

os rabiscos no braço
os dedos que tanto dedilharam
o negrume dos portões
avernais
que choram o sangue
de minha existência

no pescoço, à corda
giram

e gira

e gira
até que a corda se parte
assim como a vida.

Triste, mas assim sempre estive.
Os lamentos pelos quais chorei se foram
sem os soluços da angústia de quem vive;
as amizades, tão queridas, 
seguiram seus contentes descaminhos…
e me deixaram…
e se foram…
o sangue, quente e rubro, que se perde
aos jorros pelos braços escancarados;
a alegria, que me escapa
por seus meios fugazes e incertos…
e a acompanhada solidão,
que se concretiza na agonia
de meu eterno adeus.

Humano, demasiado humano

Humano, demasiado humano,
onde se esconde o seu sorriso?
Onde foi parar a humanidade,
o tino, o respeito e a solidariedade?
Busca, porém somente no inferno
em que criou, o paraíso
que o próprio humano,
à luz do desespero, inventou.
Humano, demasiado humano,
do ódio incutido nas paixões
à melancolia e ressentimento
de seus olhos, secos de tristeza,
entrega-se ao devaneio, à dogmática
vida, que se encurta e atribula.
Humano, demasiado humano,
por que tão frio este vasto universo?
Por que tão só nesta crença cega,
que ao outro se fecha e ao amor se nega?
Alimenta e consolida o sofrimento
ao qual está submisso… e imerso.
Não devo, assim, ser tão humano,
pois morrerei na terra só com uma lágrima
e um verso.

Ainda

o poço de lágrimas transborda
as desilusões concebidas
o pensamento rápido e objetivo
o jazigo 
e samobójców me perseguindo
os sedativos não compensam
a dor que invade e permite
a insânia a desenvolver-se no seco
de meus olhos lacrimosos
o ego se estabelece fraco
fraco
sou fraco por ter morrido, dizem todos
na cabeça perfurada por tanta miséria
pela agonia de minha felicidade oblíqua
pelos sorrisos amarelos e tortos
falsos e quebradiços

Soluços

Soluçando descontroladamente,
os olhos, secos de abatimento,
e a melancolia, ininterruptamente
sedenta por sangue e sofrimento,
se contraem… e se corroem,
à luz perpétua dos olhos teus,
que se apaixonam… e se destroem
ao verem a escuridão dos olhos meus.
E esses olhos seguem chorando
o pranto que sempre esconderam,
as alegrias que acabaram abandonando,
os sonhos que já desfaleceram.
Soluçando desesperadamente
na solidão agonizante de meu quarto,
quem me vê morre abruptamente…
Um basta à vida! De tudo estou farto!

Completude

Estivemos distantes por um momento
e assim nos encontraremos, um no outro,
numa espera de desencontros ansiosos,
que cessarão todo e qualquer sofrimento.

Estivemos numa espécie de entendimento,
segundo após segundo, verso após verso,
até que me inundei de amores e do esquecimento
do que estive deveras cansado e imerso.

Pensei que próximo estivesse o fim,
que sofreria e que com ninguém me importaria,
que viveria atormentado, mas, enfim

apareceste e me mostraste como é estar repleto.
como é cuidar e ser cuidado – sem melancolia:
como num poema que, pouco a pouco, se faz completo.

Transeuntes

transeuntes, faces de esquecimento,
transitam cansados, desatinados
e entristecidos.

pensam a vida e suas belezas,
vivem a tortura da rotina sem escuta,
tédio às avessas, solidão escrachada,
devaneio contido, mãos na labuta.

cantam o que ouço, porém a surdez os cala,
os mesmos dançam, celebram a ignorância,
agonia minha que se incendeia… e abala.

e os marinheiros naufragam suas expectativas
na pequenez de um sonho intangível,
no silêncio dos que passam,
e me deixam a pensar nas possibilidades
de um mais sincero sentimento impossível.