Enigmáticos

Com mãos trêmulas e a timidez estampada no rosto,
dois amantes que se olham e se admiram um a um
com eterno amor e sutil desgosto
aos defeitos e qualidades de outro algum

contemplam a palidez de quem vê o que não quer,
do amor que abrange a tez e clama o que requer
meus singelos sentimentos destinados a si
enquanto tudo entrego a teus olhos… tudo de mim a ti.

Como pessoas que se vêem, mas não se conhecem;
em meio a uma multidão teus olhos amanhecem
meu olhar anuviado e disperso
ao teu, sozinho, amado, imerso.

E a solidão que a mim foi destinada
ainda pertence a uma parte minha apaixonada
e enquanto escrevo meus poemas problemáticos,
decifro teus olhos, querida, enigmáticos

com mãos trêmulas e a timidez estampada no coração,
enquanto dois amantes se entregam a uma eterna paixão
com singelo amor e verdadeiro encanto
aos defeitos que os fazem amar, no entanto.

Pensamentos descontentes desatinam sem me ter

Pensamentos descontentes desatinam sem me ter
e o amor que tanto amo arde sem me ver.
É a chama de algo incerto e imprudente,
é o calor de meu vasto coração eloquente.

Pensamentos vão e vem em sonhos dissidentes
e tornam-me escravo de tua beleza a mim ausente.
É o verso de um pequeno poema a ti destinado,
é sentir a tua falta em um beijo delicado.

É dormir para apenas sonhar contigo
e não ser algo somente, mas ser teu abrigo
em meio à tormenta que ao mundo castiga.

É estar preso e livre simultaneamente…
é amar-te sem rancor e eternamente
em meio à distância que nos instiga.

Solidão

Solidão
é a ínfima parte da tristeza.
é partindo dela que se enxerga a beleza
de ser levado a todos os lugares sem ser levado
e ir a lugar nenhum sem perceber que está parado.

Solidão
é a mais nobre parte de uma singela sinfonia.
é quinta, a décima parte aparte do todo…
é minha mais sutil melodia,
que vem de modo

simples… e arrasador.

Solidão é pontada no peito
é a lágrima que escorre, muda.
Solidão é o que ainda está para ser feito
é o coração partido que a si desnuda.

Reflexão #Y

o céu de anil no chão,
as nuvens dispersas evolando por aí
nas cabeças desunidas das pessoas desesperadas.
a senhora de ombreiras, o saco de pão
e as migalhas que voam sem ser vistas.
as caixas onde vivemos e guardamos nossas tralhas.
o sentimento desmotivado e ignorante.

somos humanos.

as grades dedilhadas pelo menino só.
a caminhada sem fronteiras do atleta manco.
o Bardo em todas as prateleiras sem ser lido.
a saudade da saudade da saudade.

a música das entranhas do poeta mal-amado.
as vozes caladas na escuridão branca.
os sonhos quebrados e o nada nas esquinas.

o amor jaz entre nós.

o céu de anil no chão,
o dia sendo noite e a noite sendo o fim.
poemas jogados pela cozinha em perfeita simetria.
ABAB ABAB CDC DCD

os guardanapos rasgados com palavras ocultas.
os talheres sujos nos pratos límpidos.
a mulher das ombreiras, o saco de frutas
e os cachos de seus cabelos esvoaçantes.

somos humanos.

o velho mestre do reino asteca envia-me poemas,
mas não há como responder à altura.
não sou tão humano e não sinto tanto…
somente a tristeza das vielas negras,
o som do mar e a luz do sol noturno,
a perfeição da mulher amada,
a voz que se fecha e a boca que se cala.

um dia tirarei um dia para escrever
e apenas escrever em vão
como se todas as palavras sumissem
conforme fosse proliferando sua tinta incolor.

um dia escreverei sobre a garota das ombreiras
e o saco de bonecas na outra mão de sua mãe.
estas de mãos dadas, caminhando ao além e ao nada
sem deixar rastro e apenas saudade.

saudade de tempos remotos.
saudade de minhas fantasias de garoto.
dedilhava paredes e as descascava com unhas roídas.
imaginava um paraíso só meu e sonhava amar o amor que já não há.

um dia terminarei um poema sem fim.
e escreverei sobre o que nunca pensei.
somos humanos, mas nem tanto.

o garoto que furta brinquedos.
o jovem que abate carteiras.
o homem que estupra garotas
o senhor que morre sem caixão.

as calçadas imundas de ruas de paralelepípedo.
os tênis e cadarços amarrados na fiação.
um poema chato, sem sentimento.
um poeta nato e livre da depressão.

a leitura desatenta em novos parágrafos.
a má interpretação e confusão escrita.
o desinteresse e pressa.
a falta de tino e futuro arrependimento.

poderíamos ter vivido melhor.
somos humanos. somos errados.
somos secretários do ódio
e repudiamos o amor que já desfalece.

a falta de tempo e relógios quebradiços.
a correria destoante e desbotante.
palavras despalavradas.

a garota do fim do mundo chama meu nome.
não sei o que dizer, a timidez me consome.
talvez seja um novo começo.

ainda não sabemos viver.

Amor à amargura

As pessoas andam sem interesse
em relógios sem ponteiros
e nuvens de estresse e preocupação.
Andam em silêncio e cabisbaixas
sem olhar para os lados e apenas
caminham, caminham e caminham,
mas não pensam, não amam e não vivem.

As pessoas andam sem interesse
em relógios sem ponteiros
e nuvens de ódio e agonia.
Agonizam sem amor.
Somente amam a amargura.

E quando olham para trás, não andaram muito
apenas se cansaram e estouraram seus relógios
com ingênuos e levianos desejos e atrações.

Anjos nefastos

anjos nefastos
perseguem sua mente
ausente de corpo
e suam
e choram
e sangram
e riem
e desatinam
a seu lado
erroneamente
cristalizando um a um
seus sonhos e esperanças
seus medos e fragilidades
seus modos e afinidades.

anjos nefastos
e fantasmas de passados remotos
e próximos
e prósperos
e dispersos
desatentos
acalorados
friorentos
deslizam por entre seu tino
e abraçam seus laços de felicidade
enquanto estragam e entregam a si
suas eternas e saudosas saudades.

Nenhuma coisa alguma da mente

Não serei o poeta de uma chama ardente
nem de casais e amores caducos
mas do amor e seus gloriosos frutos
em minha honrosa alma eloquente.

Não cantarei versos de agonia
e não esconderei mistérios e segredos
por entre minhas frias mãos e dedos
das mais puras melancolias,

e somente serei o poeta do amor que sinto
se já nem sinto, sou eu mesmo, minto…
não sou quem sou, não sou a esmo…

e somente serei o poeta do ardor
se escrever para você e para mim, amor,
com você, sendo nós dois um mesmo.

Flux

Sobre a mesa: o livro de Camões
e seus versos de amor e ilusões,
que agora já preenchem minha mente
como se fossem meus.

Estou estranho: não escrevo, não penso
e somente tento, se nem tento, prenso
minhas mãos nas folhas rasgadas, amasso
e as atiro em direção qualquer.

Sobre a mesa: o livro de Camões
e meu amor e suas inundações
molhando as bordas e manchando
as palavras com gotas de minha poesia.

Poets turn into their poems

Poets are born with the gift of hate,
and they hate being awake all night long
thinking. Thinking about the girls they’ve met,
thinking about the words they’ve written…

They write the more, they live the less…
They write the more, they love the less…

Poets are born with the gift of loving
and they love loving the ilusion of love.
From loyalty… from follies… the poets faint in words
when they see themselves reflected in another’s eyes.

Finally, poets turn into their poems.

O poeta

Do amor nasce o poeta,
que o escreve em seus versos
sem o fazer ou sem interesse
em ter-se refletido em outrem.

Da lealdade com quem o mata,
o poeta desatina em palavras,
e passa a escrever somente pelo gosto
e gozo de tocar alguém.

Mais do que ser, mais do que viver,
o poeta se inflama no ego do amor
e, refletido, caminha sem andar.

Mais do que escrever,
o poeta ama, e ama
amar a ilusão de amar.

Nona coisa alguma

Sôfregas palavras em versos esparsos,
pouca criatividade ao olhar para as pessoas,
um assobio aqui, um estalo ali…
o mundo parece diferente.

Ávidos são meus versos… curiosos, dispersos;
somente procrastinam a leitura desatenta do leitor
e, da dor, somente espreita-se em si e em mim
à procura de novas palavras de cunho nenhum.

Oitava coisa alguma

Procuramos as coisas erradas.

É como se saíssemos buscando,
mas buscássemos coisa alguma.

Como um turista sem mapa;
uma ave sem asas…

E em barcos sem vela navegamos,
em aviões de papel – pelo ar espreitamos.

Nada mudará o mundo, somente o tempo…
tempo para que se faça algo.

Mas ainda buscamos coisas sem o fazer
e buscamos pelo prazer da descoberta.