Alvo: tudo é tão branco…

Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…
“Sonho Branco”, Cruz e Sousa

existe pele alva e pele alvo
“Ismália”, Emicida

na terra, quem manda é alvor.

tudo é tão branco…
e quando saio de casa,
aprendo que o mundo canta
desafinado:
significados diferentes para o mesmo significante.

tudo aqui é alvo…
minha história, minha voz
meus julgamentos.

por que ter orgulho de qualquer coisa
se o orgulho é que me fez ferir assim?
por que amar a suposta Luz
se é com ela que ao outro firo,
tamanha clareza do pensamento?

lamentável: há alvo do alvo.

sei que dizemos sermos iguais
enquanto te enforcamos o pescoço
vendo teus globos piscando às nossas negras retinas.

Julgamos, ali, serem nossas camadas retintas

até que teus olhos se encerram
e a lobotomia social em que te criamos castra nossa já turva visão.

naquele recinto, naquela cama
morre um símbolo
e parte de nós morre consigo.

mas se não posso falar sobre X ou Y
sou eu um símbolo do símbolo que criei?
na terra, quem alva é rei…

a cicatriz naquela pele
embora negra, é branca.
as páginas daquelas histórias, embebidas em sangue
embora brancas, são negras.

tudo é tão branco, e de nós a alvura exala.
em nossas vistas abomináveis, permanece
o tempo ido, negado e maldosamente revisto:
para o presente dos alvos – impedimento à alforria;
para o presente dos alvos – tudo ainda é bala…
sinhá i sinhô chicote tronco horrô senzala

saudade

Eu te amo! e não supero a saudade.
No início havia amor… e então o repartimos,
divinizado, à nossa imagem e semelhança.

Era dia, e em nossos mundos, que só nós vimos,
nos prendemos para termos liberdade,
mas logo de súbito veio a mudança.

E eu te sinto! e não escondo a saudade.
Vejo minhas mãos, e nelas há desencontro,
mas ainda escuto, e sozinho clamo.

É noite, e amanhã estarei pronto.
Às vezes precisamos nos ausentar, pois
na saudade há muita força: eu te amo!

homonimicídio

pollockeiam faíscas dos moleques nos postinhos
um dois tês vintium vintidois vintitês tê um tê dois tê tês…

respingam impermeáveis corridas, joelhos ralados e risos:
a tela se preenche de abstrato vivo

observo rio absorvo choro
tê quato tê cinco tê seis

não ruiu o que lembro e decoro, imperfeita reprodução
esta tela que jamais dispôs de pigmentos
desbota ainda e ainda

dei fim ao moleque calado, irritado e comovido, triste’ repreendido
o mundo era outro
o mundo era o mesmo, tamanha ilusão infante

pisco

desperto do daydream, curvo na cama…

mãos sujas? tinta rubra?
cheiro forte e meu:
falsa memória amarga de eterno sabor alcalino.