Desprezo

Esperar o Amor que me desse
uns delírios de pensamento,
uns martírios de tormento…
para que meus versos não tivesse.

O poema, ó formosa formosura!
não está concluído ainda,
pois a palavra é mui finda
e segue aos passos de tua ventura,

Faça sentir o comportamento
co as asas de uma singela
vivência pesarosa, isento

de toda paixão que emana dela,
de toda ilusão do contentamento
de todo Amor que dou para ela.

Fragmento de um diário não ortodoxo

28/03/2015

 

Paulo Mielmiczuk, 19. Este único fragmento de diário não convencional ou ortodoxo é, para mim, uma exorcização dos demônios que tanto me assombraram nesses anos passados. Se não estive em mim presente ou se estive deveras ensimesmado, não saberia definir. Tudo que sei é que não pretendo descobrir a fundo o que se passou, pois a terapia, os malditos e benéficos comprimidos (engolidos em suas centenas) e a reflexão individual, doída e quieta já exerceram seus trabalhos e enganos. Aqui, despejo um relato com certo distanciamento. Aqui, despejo parte de mim: aquela mesma fração que fugiu de casa desesperadamente… mas que voltou aos prantos, pedindo desculpas por ser um erro; aquele mesmo pedaço que tentou se matar tantas vezes, na surdina, se arrependendo – não por vir a enxergar o lado belo da vida, mas por ter aprendido a morrer na felicidade e ter a felicidade de morrer. Tantos impulsos só poderiam resultar em uma obra impulsiva e irregular, com espasmos de genialidade e momentos de bestialidades infantes. Ser absorvido pela própria poesia poderia ser considerado viver de sua arte. No meu caso, saborear uma doce maldição mental. Estive só em mim mesmo, vagando pelos labirintos, trocadilhos e brincadeiras de minha mente. Não acho que deva ser simplista ao dizer que não sabia que eram jogos mentais. Sabia. E queria jogá-los. Queria cicatrizes mais fundas. Queria uma morte honrosa e trágica. Eu era desse tipo. Sempre fui escandaloso – ensimesmado. Mas quem nunca pensou em se matar? Quem nunca quis ser eternizado na finda memória alheia? Afinal, o mundo é lindo! Vejo a natureza com olhos encantados, com alma serena e pueril, com extasiantes sensações que me deixam absorto em algo além de mim. O que me importuna são as pessoas. Mesquinhas! Arrogantes! Perdidas em sua própria ignorância, crenças e comodismo!

Desse estado em que em encontrava, extraí palavras, significados, alegorias, e me introduzi aos delírios de uma insanidade importante e intrínseca à minha poesia. Escuridão. Textos obscuros e pessimistas sobre suicídio e medicamentos, sobre morte, amor e religião. Nada que atraísse, de fato. Nem a mim, pode-se dizer. No entanto, aquele núcleo melancólico, que tanto foi comentado em sessões psiquiátricas, me parecia uma luz no fim do túnel: um trem vindo em minha direção. Mas e a solução para isso? Publiquei “Poética” num total impulso desgostoso. Não a revisei por não ter interesse ou vontade. Ao contrário, quis livrar-me daquilo e arrecadar algum dinheiro com o pior de mim. Sim, todos temos interesses. E que forma extraordinária é fazer seu nome em seu grupo de conhecidos e amigos ao estrear no mercado literário – mesmo com a merda toda em mãos. “Poética” foi meu primeiro fracasso como escritor. E que peça patética e vergonhosa foi aquela? Porém, também um começo, um exemplo e referência pessoais. É incrível como admiram quem publica um livro. Não há nada demais nisso. Se você tem o mínimo de competência, consegue o que lhe convém e interessa. Se você tem contatos, então, o Paraíso não se inventa distante…

Relações líquidas, mercadológicas e desumanizadas

O nascimento não se dá na concepção. Ela é apenas a geração, 
o começo de uma existência, que, sem o nascimento, não pode se chamar de vida. 
Manufaturando seres cabisbaixos, como a fábrica de escravos como caralhos,
como a mercadológica relação líquida e desumanizada dos seres (ditos) mais baixos,
como a árvore caída e fria, que se choca ao solo, crua, triste e magoada com quem tirou de si a vida.
Somos todos vis, e a torpe e frágil tristeza assombra, ainda, 
o jardim por completo, fazendo com que as flores, outrora coloridas e deslumbrantes
se desbotem e percam o aroma e fragrâncias tão característicos, belos e individuais.
Enfileirados, cabisbaixos e acelerados, os dínamos pessoais e impessoais movimentam o tempo.
Sente-se muito. Sente-se muito por não poder sentir plenamente tudo,
por não falar – por não pensar em nada. Mas, ao rasgar os braços ou se atirar nos trilhos férreos do metrô, percebemos que cravamos cicatrizes em nós mesmos por estarmos sujeitos a essa maldição.
Manufaturando seres cabisbaixos, como a fábrica de escravos como caralhos,
liquidamos uns aos outros, repudiamos as diferenças e igualdades.
Quando a solidão e negativismo batem, SOMA…
Quando a ansiedade ataca, Rivotril
Quando a tristeza vem, Luvox…
Puta que pariu!
Começou a queima de corpos! Já não morremos física, porém mentalmente.
As cabeças de antanho rolam pelo carpete esparramando sangue por nossos pés.
Somos os assassinos da criatividade, somos o ego do ego do eu.
Porquanto não temos compaixão, afeto, amor e empatia, não temos tino, responsabilidade, e nossas instituições e trabalhos mentais estão deveras comprometidos,
matar Deus e tomar seu lugar não será o suficiente para uma vida plena e não explorada.

Solilóquios

Assentada a noite,
cerra tuas pálpebras repletas de lágrimas
e deixa tuas límpidas entranhas
amargurarem melancolia.
Deixa tua doce e pequena mão cair,
sonha, mas sonha sem dormir
em meio à torrente de pobre poesia.
Acaso um eco, uma sutil memória tua de mim retorna?
Que espectro ressurge aos lábios teus?
Murmura-me!
Venho das brandas e solitárias trevas
ou da luz desbotada dos olhos meus?
Tens saudade ou desejo?
Tens remorso ou martírio?
Assentada a noite,
murmura-me!
Perceba-me aqui…
Quando, obscuro e sonolento,
à luz me entregar,
serei teu por completo, com um eu
mais que repleto
e, por ti hei de me apaixonar,
ó solilóquio, ó desalento!

Eras uma (ilusão)

Porém, os espelhos refletidos em teus olhos
queixavam-se da semi-cerração contínua que proporcionavam
a volúpia e ternura, as lágrimas e melancolia;
dentre todas, uma, mas eras dúbia.

E teus lábios tormentosos, frios e empalidecidos,
trêmulos, tocavam a face do espelho umedecido.
E, no ápice dos gozos, ante a face de um amor idealizado,
dentre todos, um, mas era apenas um delírio.

Ah, doce martírio! Almas insanas e lúcidas, palpitantes, e o tino mudo…
O espelho era um. Porém, era trincado.
Ó, solidão! Ó, tristeza! quando se tem tudo
e, em pouco tempo, só resta a certeza de um amor a ti negado!

Desfizera-se a ira, esvaiu-se a mentira!
O olhar ardente e espelhado, os lábios rasgados,
o beijo gélido e cálido de abraços longos e apertados,
todos se foram… e só ficou… o quarto vazio.

Agora, vejo-te, amada. Vejo-te pálida e bela.
Vejo-te calma e discreta, indiferente e secreta-
mente apaixonada pelo reflexo que vira nos cacos
infelizes e desesperançosos de tuas ilusões.

Vejo-te daqui, de todo canto, agora e sempre.
Vejo-te com cautela, amorosamente e com aquela ventura,
noite por noite, hora a hora, com o que me resta de amor…
te faço livre de toda amargura!

Discussão

Afinidades eletivas caminham com desdém!
A quietude que me foi concedida intercederá
pelos modestos e ínfimos comentários de alguém
que se diz maior do que o que postará.

Generalizações não serão bem vindas além
do que transparece ao primeiro contato.
Mas, se for contra mim, pode ser amigo, amargo,
não hesitarei, ah, me perderei, eu canto, eu mato!

Se for oprimido, não viverá.
Posso ser de boa fé, mas meu íntimo o condenará.
Farei-me desiludido, enxergarei somente
o que convier, propositalmente,

e, dias depois à morte psicológica,
condenarei a tirania, a opressão!
Serei fruto de mais um caso de descaso agudo,
serei mais um da “minoria, não!”.

Mas nem todos pensam assim.
Apesar de pertencer à maioria, aos de boa conduta,
não serei ignorante, egocêntrico, um filho da puta!
Porém, ainda, intrínsecos aos serafins:

o sofrimento, o devaneio… a labuta.

Ópio para o povo!

O despertar das realidades invisíveis,
conjurado pelo afastado e silencioso poeta,
é reflexo do uso não credenciado e muito difundido
(pelas anomalias sociais) do ópio e do haxixe.

Impregnado, dissoluto, volúvel e estancado,
o tesouro toma o paraíso para si
num grande golpe, num grande movimento
já deveras visto e enigmatizado.

E o mundo de delícias, o ideal artificial,
a nuvem púrpura de malícias,
um inferno doce e cerúleo
de um inferno vago e irreal

se tornam o cansaço, a não identidade,
restos de uma festa de íntimas sensações,
resquícios de sonhos lúcidos e bem vividos,
instantes de sólidas e vivazes emoções.

Que seres formidáveis seríamos se nos entregássemos
ao espetáculo, à liquidez, à vastidão da cólera misteriosa
e aos impulsos de uma vivência no ápice da existência,
no centro de toda a imaginação e prazer.

O amor e a realidade

I

Talvez ainda ame a garota que amei.
Mas não posso saber um amor
sem o consentimento da outra parte.
Apesar de tudo, não sinto que já sei
que o amor quer que me descarte.

Talvez ainda ame, e talvez ame ainda
a angústia e a obsessão que me traziam
aqueles olhos-simulacros, dissimulados.
Apesar disso, minha angústia faz-se finda
e meus próprios versos se demonstram
falsos, cegos, torpes, apaixonados.

II

Em paraísos artificiais, na líquida felicidade,
conduzimo-nos ao abismo.
Escapamos de nossa própria e corriqueira realidade,
que já não é suficiente,
enxergando o mundo por outro prisma.

Mas para onde vamos?

Não vamos.

Apenas ocultamos a face que não nos agrada.
Apenas nos apaixonamos por uma idealização.

Sussurros

Em meio a sussurros de ossos quebradiços,
o suor do rosto, a face da guerra.
Sentávamos pela encosta tentando fazer-nos
ocultos.
Em silêncio, os náufragos tentavam se erguer da areia,
– enquanto a maré subia e os levava para longe.

Após aquela agonia,
os gritos ainda ecoavam em minha mente,
o aprisionamento se fazia em mim:
eu estava ligado aos homens como dicotomias
e dualidades.

Não era um deles.

A estrada pedregosa tornava árduo o caminho.
Sem restrições, segui, com os lábios secos, beijando
o trajeto sem fim.

Arrastando-me, preocupando-me
e morrendo,
chorei lágrimas que não eram minhas…

até que a maré subiu novamente
e eu me entreguei a seus trabalhos.

E nada mais

Em meio à solidão de teus olhos e braços,
sou o vazio, o caminho… e nada mais.

Sou a eloquência, a dinâmica e o mutismo;
a miséria, permanência e o ludismo.

Sou a carência de teus abraços…
E nada mais.

Enquanto lágrimas escorrem,
meus sorrisos te acolhem,

mas não serei muito, ah! não serei;
sou o vazio, ainda, que um dia sentirei.

E, se não souberes meu amor, jamais,
serei somente eu, sozinho e pouco

sozinho… e nada mais.

What should I call this sensation I feel inside of me?

What should I call this sensation I feel inside of me?

When I start missing my darkling friends, shadows involve me.
They also miss bothering me at night, when everybody feels alone.
And they won’t leave me until solid memories of punishment have done their job:
at times too shy, at times too eloquent.

I also cry.
I can’t say I only see things outside myself when I write a poem or another kind of text
expressing how I feel.
No.

As tenderly as I love them, nobody will ever love.
But I am afraid.

I’m afraid to lose them.

Everybody feels alone, because I am everybody.
Everybody  opened my arms to a couple of scars.
Everybody wants to leave the reality somehow.
Everybody wants to die.

I don’t know.

My body gets chills every single night,
when they are about to come.

Now they want to take me.

Silence

Shhh

[whispers] they are here.

Num doce inferno

Não quero saber de teus avernos.
Julgo a solidão pelas funéreas
sepulturas de uma vil miséria
que vêm a mim num sonho eterno.

Não canto a morte em nossos invernos.
Magoado, como a alma séria,
sou parte de tua voz e matéria,
que vêm a mim num doce inferno.

Sutil e vazia morte sangrenta
toca a mim como se fosse Deus:
de uma fonte abalada e violenta.

Ainda não explico esses versos meus;
mas a mente, reduzida, tenta…
e a fadiga já atinge os olhos teus.