Pristiq, a desvenlafaxina de minha vida

a droga da depressão
é
meu descaminho mais
tedioso,
meu bolso roto:

lamúrias de um robô
psiquiátrico:

queria ser enterrado vivo,
porque, assim,
ao menos chorariam
meu corpo dilacerado,
cujo coração lamacento
daria lugar a coloridas flores…
decerto mais em conta do que
meu caro Pristiq.

minha agonia seria cristalizada
e
levada comigo para meu tenro poço de lágrimas,
já que sou “um poço de mágoas”,
como me disseram certa vez.

as substâncias em mim, tão ausentes,
como todos de antanho…
depressores como lâmina
nos pulsos, cavidades letais
em mim tão presentes…

e essa “poesia” ridícula?
versos de sofrimento para fazer sofrer?
quanta inutilidade…

ainda,

a droga da depressão
é
meu maior tesouro,
pois com ela me opio
em sórdidos pensamentos

sem que NINGUÉM
levante uma palavra de objeção,
uma construção preocupada…

por aqui, só há negligência
e silêncios assustadores.

e já estou prestes a dar lugar a flores.

tudo que peço antes de partir
é
que a droga da depressão
permaneça sobre meu leito,
em lutuosas flores de sonho,

e que atinjam a iluminação
sem
ler meus versos agoniantes
e agonizantes.

a droga da depressão
é
meu descaminho mais
tedioso,
meu bolso roto:

e até as pétalas se desprendem,
se matando como um poeta
para sempre atordoado
pela miséria de sua existência.

serotonina

sem autonomia
para decidir
o que se sucederá,
cada vez mais aprendo
que o livre arbítrio é ilusão:

se parar com os odiosos
comprimidos – robotizadores,
caros e engasgantes,
“irá parar numa clínica, e você não quer isso, quer?”

é sempre assim:
não se pode ter uma recaída,
que o fim do mundo se aproxima.

em contrapartida,
(óbvio que houve melhoras [vulgo esconder
debaixo do tapete],
– não devo seguir em frente),
uma melhora considerável
demora uns meses para surtir efeito
no psiquiatra.

entendo o lado dele.
se eu morrer por negligência médica,
a culpa recai nele, e ninguém quer ver
um cliente morrer, não é?

minha falta de prazer nas coisas,
até mesmo no sexo,
se deve à falta de serotonina?
menos que 10…

não.

depressoras, na verdade, são as pessoas à minha volta,
e eu as detesto como se o poeta fosse este
eu lírico.

desabitado

desabitado
como o mundo solitário
de Rilke,
sou
lamúrias que se materializam
em lágrimas
de agonia silente
e irritabilidade incontida…

nos mares onde naufraguei
– jamais resgatado,
quis ser esquecido sem nunca esquecer
que sempre fui
Narciso
e que sempre pensei mais em mim
do que nas demais coisas…

mas, agora, as imagens trincam
o próprio espelho.
estilhaçam minhas formas
e eternizam a angústia que sinto,
tão introspectiva e solitariamente
que não tenho ímpeto. não tenho
compreensão.

preciso? do que preciso?
nem eu mesmo me entendo.

mas Rilke criou seu mundo com palavras.
palavras de uma brevidade e eloquência
ímpares.

e aqui destruo o meu, com palavras,
atos e cacos.
perdidos no fundo do oceano
chamado vida.

amava em versos gastos
enquanto ias sob o véu
pensando que amaste, ao léu,
mil amores insensatos.

em meu único coração, um largo furo,
mas algo me guiava: uma estrela desbotada,
sempre mal acompanhada
– nesse céu infindo e escuro.

e ela amava meus versos recitados,
sempre profundos e pensativos,
um tanto tristes e repetitivos…
a verdade é que estávamos apaixonados.

mas já estavas comprometida a contragosto:
e, doloroso, meu coração…
intervim! e me disseste não…
agora sou para mim um rei deposto.

não pudeste conter a ira… eia!
o que estás a fazer?
podes, assim, deixar de ser
– e tudo por causa da imposição alheia.

………………………………………………..

amava em versos mais que usados
enquanto foste um nobre sonho.
de coração triste – e olhar risonho,
morreste a morte dos enforcados.

Pais e filhos

Abençoa a gente e explane
o porquê de não termos cuidados:
não há Deus que nos engane,
não há esperança aos enforcados…

Abençoa nossa descrença,
faz de nós uma lembrança:
mas não sinta nossa ausência:
para Ti, somos só uma criança.

Infante sério, descontente,
que já não acredita em ladainhas.
E por isso sofremos sem a gente:
somos pessoas muito sozinhas.

E o niilismo? Abençoa nossa miséria,
já que não podemos ter tudo.
Poema triste de más energias?
Deusinho impotente, melhor mudo!

O nada. E nada nos espera.
E se nos perguntarem como poderíamos escrever
tais palavras de “desonra e desrespeito”
diremos que o que rege a sociedade é o luto e o morrer.

Doria

Tão gentil, tão honesto o olhar
que me invade quando ele saúda
a gente pobre, preta, muda,
que nem nossa visão ousa questionar.

Ele assim vai se sentindo louvar,
pois é bom e humilde, sem escuda,
– um anjo que padeça – e aluda
um milagre diminuto para nos salvar.

Tão afável se mostra a quem o admira,
que o coração se exibe no sorriso –
só não entende aquele que não o aprova.

De seu semblante, mostra-se a nova
e suave brisa na paixão do riso
que vai dizendo dentro de si: é mentira.

ausência revisitada

sua ausência nunca me incomodou.
também, quase nenhuma, nem a minha,
foi motivo de pranto ou introspecção.

agora, entretanto, embora meus poemas
talvez façam você rir;
embora sejam bobos e talvez não tão profundos
e sérios como “poemas devem ser”,
escrevo este com um pouco de saudade.
comedida, como deve ser.

escrevo porque não saberia me expressar
de outra maneira. não sei se somos amigos
ou o que somos, mas sei que algo está acontecendo.

agora, sua ausência me dói – numa pontada
em meu peito e mãos:
no peito, porque poderia ter me aproximado antes,
apesar de tudo ter um tempo determinado
para que as coisas aconteçam;
nas mãos, pois escrevo com meu peito,
para você, neste caso, neste poema desforme
e um tanto bobo e não tão profundo.

sua saudade me invade, me sufoca, me amarra.
comedida, como há de ser.

melancolia e resiliência

propenso melancolia
de grande resiliência.
grande tempo passou
mas perpetua solidão,
desamores e desencontros.
arquétipo para toda tristeza,
de todo sofrimento, basta!
não suporto como tu, Atlas.
e vez ou outra me incomoda
estado em que estou.
rechaçar nunca me foi permitido.
com ímpeto? que ímpeto?
emurcheci com minhas alegrias.
enalteci – não agonia – o silêncio
para sempre agonizar
em irreconhecíveis escaninhos.
começo desconfiar:
praguejaram contra mim,
maldição, maldição,
que fazer para salvação?
deixar – parar – deitar – pensar – morrer.
contudo, Atlas, maior tormento
deixar de ser enquanto és;
parar sempre em inconciliáveis pesadelos;
deitar leito de morte e eternamente ali;
pensar no que não há e tornar verdade;
morrer sem ao menos ter vivido.

mulher

ainda te escreverei um poema
e o direi ser teu,
porque a poesia em meus olhos
tem nomes tristes, caídos e apáticos, que
só se erguem e se alegram
quando te vêem:

estás em toda parte.

dirão que és poetisa,
talentosa, inteligente, de arte indelével
e envolta na bruma do amor (e és – aparte
de meu texto).
estarás em toda parte, sim,
mesmo quando desconversarem
teus escritos, fizerem de ti mercado
e venderem teus livros como se fossem
simples objeto – nunca sujeito, da arte infindável.

e eu, sabendo do segredo de teu sucesso,
direi nunca ter lido palavras tão lindas
– para tão linda pessoa.
direi conhecê-la, mas não saber de teu processo
criativo-pessoal.

me ausentarei,
mutismo há de me consumir…
mas jamais deixarei de te ver e te admirar e a ti sorrir,
porque, para mim,
estarás em toda parte.

e o poema primeiro,
que nomeei teu,
será apenas placebo,
ilusão de sucesso comprado…

por que te amo?

porque mereces ser do mundo;
porque és digna de um universo…
e capaz de reinventá-lo…

ao mesmo tempo, me dói ter que escrever algo
para que saibam que escreves algo.
é tudo tão injusto… só por ser quem és. o que és.

e és mulher:
extraordinariamente bela na poética expressão natural da vida,
– não por ser mulher, não por ser o que és.
mas por ser quem és.
e, sim, somos todos, os homens,
seres dignos de cuidado.
não que sejamos superiores ou inferiores, como pensamos
ou como nos fazemos.
porém precisamos de estímulo, ímpeto
para desconstruir o que construímos para ser desconstruído.

qual poema?
não importa…
mas dormirás melhor esta noite,
pois agora sabes que as coisas caminham
para que saibam quem tu és – não o que és –
e que estás em toda parte.

tio

quando teu tio morreu
ergueste tuas mãos
– não por ele, não por ti
e moveste a cabeça
para lá e para cá
num triste momento
de pura introspecção.

mas nada disse, não pude
extrair palavras de teu silêncio
– e do mutismo de teu tio.

mas sabias, nos dias felizes
nos melancólicos dias felizes
que um dia ele partiria
e deixaria um legado
– bom ou ruim
para a família e amigos
que agora convivem com sua ausência.

isso me faz pensar em nós.

quando nos conhecermos,
se é que, de fato, isso é possível,
quero que nosso encontro
seja mais que um número.
mais que um encontro
em meio aos desencontros da vida.
quero te dizer o que meu amor significa
e ouvir de ti o que tens a dizer, querida.

te encontrarei como quem encontra o amor.
e finalmente não mais direi ser triste…

sete amores, Salvatierra? só preciso de um,
porque os dias da suposta criação pouco
influenciam o amor inato que cultivo.

cada dia mais?
cada dia mais.

mesmo que o melancólico receio
do abandono seja um tio para mim.

sei que não sei

sei que não sei me livrar
da delícia que é escrever
quando se tem resultado
bom, melhor ainda, pois
a palavra me afaga e eu a
entrelaço em meus dedos
beijo-a e nos amamos em
longevos e dispersos encontros
indescritíveis… não diria isso se
fosses escritor. ao mesmo tempo
frustro meu eu por ser criador
e os limites linguísticos que jamais
transpassei… ah, quanta lamúria
precisa no tempo de mim
por isso me ausento da vida
o indizível me atravessa
e, ao contrário, eu o atravesso
nessas travessias, na mágoa
do escritor impotente, tanta
página branca! tanta agonia por ser criador
mas, ao término do inacessível,
há o conformismo com o que se produz
por isso grandes são grandes? não
se conformam, se confrontam
e produzem até alcançar uma imperfeita
perfeição – largamente comum – pelo incomum.

enquanto eu ponderava

retorno a meus poemas como ruína querida,
considerando-os, muitas vezes, a treva necessária
(havia tanto!) para esquecer que contemplava
a enorme babaquice de ser quem era…

revisito, talvez, por ter inconscientemente
uma predisposição para a reflexão, o tino,
que, tanto tempo depois, é fundido a uma existência
mais humana e, decerto, muito mais saudável e preocupada…

herdei isso behaviorista e felizmente de poetas,
ensaístas, contistas, enfim, escritores e pessoas comuns
que mudaram, graças a nós, minha visão acerca
dos eventos mundiais, manipuladoramente ocultos ou distorcidos…

mas não me apropriei de características tais com bravura.
sempre me foram depositados receios e  pensamentos contrários;
pessoas vieram a mim com tamanha infundamentação,
porém me mantive firme, sempre perseguindo meus medos…

temo até hoje o golpe, o galope, o gume que apontam para mim.
levam tudo a ferro e fogo – sem saber que há anos me preparo,
possivelmente com armas muito mais poderosas e eficazes,
para esse combate extremamente benéfico e não violento…

digo, ainda, que o diálogo é utópico – em certos casos.
muita gente morre por aí por pura intolerância do outro,
e muita gente sofre, é reprimida, repudiada, excluída…
a troco de quê? a troco de que exploram e extraem a vida alheia?

e então, retorno a meus poemas, que frequentemente
são deixados de lado por mim e pelos outros – com razão.
ninguém merece tanta crueldade subjetiva. ninguém.
a troco de que escrevo o que escrevo? uma terapia disfuncional?

preciso deixar de lado o martírio, a voz – a mim – ameaçadora
(e nebulosa e estagnada e conformista) para aprender a conviver
com um eu cada vez mais fortalecido, desconstruído e feliz,
porquanto sem felicidade não consigo mudar minha pobre gente,

meu triste universo depressivo, os dedos apontados para as direções
em que caminham meu povo, minha crença no tangível, meu verso.
obrigado, poetas (de diversas formatações): seus olhos – e os meus –
me fizeram muito mais atento. demasiado preocupado. demasiado humano.

(enquanto eu ponderava em silêncio, a pura babaquice – outrora em mim –
se apropriou de corpos, tornou cálidos grupos tão queridos e diversos,
apavorou, iludiu, manipulou e reuniu outros grupos, agressivos e terrificantes.
a luta não é, necessariamente, externa. cabe a todos se desconstruírem também).

Speak

Speak! – for the love in my eyes
cannot cease the absence still.
Because where my senseless wild love lies,
I dream of a non-motion hill:

I gaze out the window and bore
the unhappy incline that to me sings.
Now, the window is opened no more,
but her demons took all my heartstrings.

This voice, this hill. Only love and care remain…
only love and care can pleasure me
–  apart from solitude, torture and pain.

Keep speaking! – for the love I see,
silent, wild and free, will be again
what makes me stop thinking of me!

O “adeus”

Na doída hora de minha agonia,
cantaste como quem sempre estaria
aqui… a dividir os ânimos teus.
Amei-te e me amaste; e depois o esquecimento,
outras prioridades, outros pensamentos…

indiferentes, murmuraram-me: “adeus”.

Na vez primeira, meu coração corou.
Logo me apaixonei… Ela não se apaixonou.
E num instante percebi que os problemas meus,
jamais dela, jamais seriam compassionados.
Nunca seríamos um casal de apaixonados.

E ela entre beijos murmurou-me: “adeus”.

Passou-se o tempo, anos de loucura e tristeza,
arrasado pela perda, arrastado pela correnteza,
a torrente me levou aos poços seus…
Encontrei as mágoas que apunhalaram meu amor
como se houvesse raiva e rancor…

E eu, chorando, murmurei-te “adeus”.

Quando te reencontrei, te disse: “descansa,
amores não são mera lembrança,
e jamais terás o azul dos meus”.
Parei para ouvir resposta… surpresa,
pareceste satisfeita, sem tristeza.

E eu, sem orgulho, murmurei-te: “adeus”.