valsa de desencontros

traços de mágoa no rosto
e revelam-se o amarelo-castanho
dos Outonos de nossas almas.

nossas cores mudaram,
a vida tingida, as vozes sofridas,
o pouco que nos vemos…

que de luz nos envolvamos,
lembremo-nos sempre dos espaços…
entre mim e ti, sigamos…

esforcei-me para amar,
escrevi sobre um amor puro e impossível,
mas nunca cheguei ao sentir.

o pulso das palavras me atrai
o canto das folhas, tão belas, porém em agonia,
tornou-se fraco… ele me trai.

tive apreço, é verdade, por
minhas queridas palavras, jamais minhas,
e usei-as mais que a alma dos lábios.

guiei-me, misticismo fajuto,
e beijei, é verdade, em versos, somente,
com lábios tristes e putos.

implorei, pela primeira vez, tua
alma, quando em teu corpo encontrei a solidão
de todos os seres.

e tocaste-me com sincera saudade,
sem que tivesse partido, sem que tivesses sofrido
um crepúsculo de razão, um lapso de viveres…

e senti, também, saudade,
envolto em luzes, depois de tanto, sorrindo
às mágoas em nossas faces…

e é Outono. basta. estamos quase partindo
ao infinito, à resposta do porvir, à concretude
do vazio que nos substituirá.

e esse vazio angustia, mas deixa
um sabor de conclusão. felicidade assoprada
nas folhas… como os que se foram fazem.

e elas cairão, elas nos encontrarão…
até que cairemos e nos encontraremos
para uma valsa de desencontros…

para uma luminosa estadia, com sorte,
nas profundezas incertas de abraços de estranhos:
amores desconfiados em beijos de antanho.

Amor

versão realista:

Todos o vêem, mas nenhum o ama,
assim todo o Amor agradece.
E seu olhar, como, do peito, a chama,
me fode, me engana e encarece.

O silêncio da alegria e a flama
esvaziam o peito, que perece
e se estende ao coração e proclama
a dor que surge e não desaparece.

Tudo pulsa, é cretino e infeliz,
e os corações que somente o observam
residem sob o véu desolador.

Pois para o que ama o coração diz,
em quietas vozes que se completam:
“é a mesma coisa sem esse Amor”

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versão “romantizada”

Todos o vêem, mas nenhum o ama,
assim todo o Amor se engrandece.
E seu olhar, como, do peito, a chama,
me captura, me encanta e resplandece.

O silêncio da alegria e a flama
o preenchem e avivam feito prece
que se estende ao coração e proclama
amor que surge e não desaparece.

Tudo pulsa, tudo é vivo e feliz,
e os corações que somente o observam
residem sob o véu desolador.

Mas para o que ama o coração diz,
em quietas vozes que se completam:
“entrega-te à ilusão! Vive do Amor!”

Procura

No celeste espaço em que te procuro,
tenho auxílio divino e divina gana.
Olhei-te – nunca de maneira leviana -,
e em ti soube que estaria seguro.

De contemplar-te dum lugar obscuro,
conheço toda a luz que de ti emana.
Amo-te, mas te sei pouco, humana
que habita meu triste coração escuro.

Vou, assim, aos poucos me curando
das vezes que tanto me martirizei…
e o coração foi se petrificando.

Então, gota a gota, os olhos que avistei
na treva, quando estava definhando,
se tornaram o que mais na vida amei.

Eterno

Eu, que jamais fora atento a Deus,
tive minhas ingênuas preces atendidas,
e vi, por um instante, as queridas
profundezas castanhas dos olhos teus.

Então, sob o brilho Eterno pude vê-la,
sempre sorrindo e amando – a refletir
seu tanto de Amor, de corar e sorrir,
até que amei e fiz dela minha Estrela.

E ainda sem entender o Amor concebido,
feliz, me guio pela Estrela e sua imensidão,
sempre caminhando  – pelo coração,
como se até então não tivesse vivido.

Digo-me cego, pois não se vê totalmente
nem nos sonhos mais reais e sinceros.
E ainda sonho, por ser repleto de queros,
com o Amor que amei completamente.

abandonado

olhos desdormidos, de feitiço e decepção,
invocam o espanto e permitem o devaneio.
minhas crianças gritam e riem, no recreio…
coléricas e amparadas em seus olhos de leão.

dum espasmo, ergo-me, ereto e profano,
sob duas visões: satânica e divina…
teu sexo, nu, me força de forma ferina,
e então o homem deixa de ser humano.

enrijeço-me e me culpo pelo teu amor:
em mim consagro tuas perversões,
em mim escondo medo e frustrações…
a luz que outrora ardia não tem ardor.

meu outro eu me é caro e divide comigo
um sanguinolento e irreconhecível espaço:
lutamos com armas de bronze e de aço
e jamais encontramos em nós um amigo.

uma outra luz, um brilho novo, corta,
mas meu corpo incerto é que abre as feridas.
não tenho planos, amores ou vidas
e toda esperança, por mim, está morta.

porém não matei meu outro eu por um triz.
roí as unhas, com a carne ardendo;
com retinas, vi alguém se doendo…
e assim, trouxe felicidade a alguém infeliz.

Continuo

um tanto aborrecido, espero no poente
a impossibilidade de uma outra primavera.
a que passou: linda, bela e viva era,
mas agora penso nela com pesar e inutilmente.

preso neste outono, alimento-me do tédio e dor,
e seduzidas pelo fim, as folhas mortas vão surgindo,
os galhos, nus, secos, se despindo…
e eu os observando, vazio de poesia, quase invasor.

passam os amores e o poeta se entristece
como se perdesse seus últimos retalhos.
inútil e triste vida, o mundo padece…

passam as folhas, se entristecem os galhos…
e o mundo de vida e beleza carece,
mas a vida e beleza em si são sonhos falhos.

iguais

são muitos, e nenhum inspira confiança.
desde cedo dizem ser o caminho natural
das coisas. mas ora, que coisas?
sei da escuridão que paira em nosso tempo.
e talvez tenha pairado em outros, pois,
aqui, enjaulada na liberdade, a quietude
ousa engatinhar. então, coercivos, calam nossos
intentos, e o sol extingue-se para nunca mais.

seguram nossas cabeças, tomam as rédeas,
e o cabresto balança, permitindo-nos ver
somente um feixe de luz, um ponto iluminado
no brilho de cada olhar.
mas mesmo esse brilho parece ofuscante:
não vemos com clareza o que nos ilumina,
e, cegos, ferimos, com nossos intentos,
quem ousou tentar nos curar.

são tantos, e penetram nossas mentes.
rijos e violentos, sem virtudes humanas,
cercados por corações preenchidos com desejos,
tomam o “caminho natural das coisas” para si
sob a justificativa de uma escolha divina,
e a escuridão paira, a escuridão paira
em nossos universos individuais,
incitando ódio e colocando uns contra os outros.

é impossível saber quem realmente são,
porque se vestem de maneira igual,
falam da mesma forma e têm os mesmos trejeitos.
fora – há quietude, criada a passos lentos, mas… -,
temer… não é a solução. manuseiam-nos, desorientam-nos,
e a culpa é sempre opositora. aliás, que culpa?
que vem a ser isso? para eles, logo tudo será resolvido,
para eles, basta a nossa escuridão.

algoz

se todas as agonias pudesse escrever
diria ser fraco, doente e iludido.
ser apedrejado por um Eu corrompido
demonstra que não sou bom para viver.

não tenho caráter, não sei conviver…
tormentosa vida, em ti fui cuspido
como algoz do fracassado Eu despido,
e não sei mais o que poderei fazer.

ainda fui tristemente descoberto
como um farsante, um criminoso, manipulador.
sob tantos elogios, me desconcerto…

e acabo a mim trazendo cada vez mais dor.
matar-me: pois tudo que fiz parece vil e incerto…
assim não dividirei com o mundo meu Eu traidor.

culpa

agora, tudo que faço
provoca
culpa e saudade,
pois deixá-la, além de
atiçar minha solidão,
foi meu mais
doído erro.

agora, meus olhos
se preenchem com lágrimas,
se perdem na lembrança
do universo dos olhos dela
e o desconsolo, tão acostumado
em transitar por minhas palavras
é, mais uma vez, meu convidado.

estivemos juntos, unidos
por circustâncias adversas,
durante um ínterim de alguns versos…
não recitei, escrevi
sem que ela jamais soubesse.
dentre todas, um alento;
dentre tudo, escolhi.

com ela, a alegria estampava
nossas faces; os estilhaços
em meu rosto, apedrejado
por estas mãos, foram, pouco a pouco,
reconfigurados, formando,
ainda que brevemente, um breve sorriso.

mas e agora? caminho, lento e solitário,
pela estrada da vida… tropeçando em mim
mesmo, caindo e me reerguendo.
a angústia, também toda uma parte
de minha claustro-escrita,
vem passar um tempo em meu peito.

onde estará? o que sente?
… não sei ao certo se é possível sentir
depois de tal abandono.
mas eu, que tanto sinto a falta
de minha amiga, minha companheira,
posso dizer que com ela, pela primeira vez
em tanto tempo, senti amor.

abissal

assim é seu coração – e assim se atira:
nos abismos, nas aflições… sem ver saída.
cogita acabar-se, pois jamais suspira
um instante sequer de alegria atraída.

em seu universo totalmente se retira,
com vozes incrustadas na pele contraída.
o quarto-claustro sufoca – o mundo respira -,
e a alma se desfaz em outra recaída.

mas o fim não se concretiza em seu intento
e temo pelo azar como temo pela sorte,
agora que tudo dói novamente ao voltar.

é tanto sofrer e tanto julgamento,
que nem mesmo se anulariam com a morte.
reflito: é preciso amor para se curar.