(Neo)LIBERALISMO

cheiros de pólvora e de fuligem
: o terreno fissurento arrouba
tanta trincheira besta, deuses
, no peito aberto pousa

aquela velha exausta flor
, porém flor
, que ainda dança
em clima de ainda-eterna-
-nunca-vista-mudança

ao sonoro agudo
(de minas pétreas que se ruem
, vigas férreas que se chocam
– e as mais pobres que se fodam
) das explosões que esquecemos
para enfim poder dançar

pois era dia quando o
era
gente pra todo lado
sorrisos que escancaram
nossas faces mudas
degoladas

o que raia se oblitera
seja a chuva que irriga
o sol que em brasa ao mundo aviva
ou a flor, que de tanto existir
só existe

mas o que se oblitera talvez alumie
– em buquê ou outro
– a terra de sangue irrigado
onde colhe fome
o cadáver jardineiro

exímio artista, queria controlar o mundo
em quadros de pinceladas uniformes;
telas e tintas bem-selecionadas;
ângulos e perspectivas inovadores.

ao final de cada obra, pregava à parede
sua genialidade incomum e incontestável;
tomava distância para observar o trabalho
que pensou e construiu com raro esmero

mas estava sempre torto.

da vida uma avaria acelerou
rindo sobre mim, colérico
pneus quentes à vala molhada e fria
fina fresta entre porta e perna

conforme a água suja
fria
da vala encharcada
do enquanto chovia
rebentava em absorção, em minhas roupas

na bicicleta, me emputecia
eufórico e arrefecendo
e depois do impulso de acelerar ao farol
nada sentia ao pensar em meus atos
dominado
pela mais vil frieza humana