Lembranças

esvazio garrafas
enquanto penso
num amor
despropositado.

vejo a mesa repleta
de um vazio absorto
em meu próprio vazio.

livros já não são
suficientes para
narrar a existência.

porém, ainda amo,
rijo e violento.
numa intensidade
anacrônica
e prazerosa.

mais garrafas esvaziadas.
silêncio.
o fumo parece ser
solução para a ansiedade.

o coração, sôfrego,
a mente insana.
a mão, morta e lôbrega
é a fuga vil e humana.

ela se deitava
na própria mesa,
aquela, do pleno vazio,
e ia tirando
a roupa enquanto
nossas vergonhas se tocavam.

agora,
somente livros
me acompanham,

e meu anjo caído
se contenta em enrijecer
com fotos e fatos…
que só servem para preliminares.

Órbita

Traçando suas 

órbitas de fuga

alimentando noites 
desumanizadas
simultaneamente 
errôneas
as flores e pétalas 
abandonadas
caem.
E o repouso
literário
nem excitado
nem lânguido
sobre mim
cala a estadia
no inferno
que tanto 
acompanha
poetas despreparados.
A iluminação 
tece irrelevantes
ilusões.
A iluminação
é a própria ilusão.
Não estamos prontos.
Não sabemos viver.

Fenecer

feneço nos doces ramos claros de teus cabelos dourados.

a face, oculta, expõe suas singelezas e aflições,
e mergulho no marulhar castanho de teus olhos desatentos.
o sangue gargalha em nossas veias.
harmoniosos e melancólicos, o céu e sol se expandem sobre o mar esmeraldino.
a face, oculta, se assombra no hoje e sempre de antanho.
contra o ódio: paciência. 
as estações me esganam e me encontro num inverno desolado.
medíocre e só, vou caminhando apaixonado,
e as dores, antes tão doídas, se consolidam em minha abstinência.
que seja eterno meu infortúnio! 
que permaneça rindo o sangue e a ociosidade.
que sejam meramente passageiras as alegrias rasas!
que se obscureça a vasta, comum e miserável realidade.

Poema à garota morta

Pouco a pouco, em versos intercalados,
revelo minha face e tua própria imensidão.
Mas não sou deveras tonto ou apaixonado:
já sei que o mundo é uma completa ilusão.
A escassez de palavras, o excesso de sentimentos,
os cabelos, em desalinho, irrigados pelos olhos meus,
a esquecida solidão, a perda de memória e momentos,
a harmonia na saudade precoce de um sutil adeus.
Todos partem e tornam-se interpretações.
Escondem-se na sombra esvaecida
de meus sonhos obsoletos e devoradas iluminações.
Mas não posso reclamar da vida já decidida,
porquanto a realidade não conforta e só surte efeito em ilusões.
O presente te traz a mim, apaixonada, morta, estarrecida!
E o ocioso poeta morre de amores por tuas podridões.

Um invisível que optou por emudecer seus lábios e ativar sua escrita

Herdei de meus colegas ignóbeis o desprezo,
e, através de meus olhos singulares,
pude me enxergar com total repúdio.

Os colegas, até certo ponto, iguais,
levam consigo o direito de serem tão pérfidos nos trejeitos
quanto minha língua profana é em suas condo e indolências.

E seus hábitos, anacrônicos, rústicos e ridículos,
se fazem assim, pois meus talentos e habilidades se ocultam
em meio à podridão alheia a meus demônios.

Se ao menos me visse com menos egocentrismo,
poderia cogitar enxergá-los como enxergo a mim,
e, talvez, se pudesse, de fato, viver sozinho, deixaria de me sentir solitário.

Vi-me inválido, melancólico, e inibido:
um frívolo inferior – com olhares vis e superiores e
sentimento de mendicância e miséria.

Tudo em mim foi visto e revisto por velhos e revelhos olhos distraídos.
É a visão de um invisível que optou por emudecer seus lábios e ativar sua escrita.
É o ódio por ter que lutar contra o mundo e mim mesmo todos os dias.

Solidão

A partir dos momentos ou constância da solidão,

temos noção do que realmente somos.
E é aí, nos devaneios de uma existência solitária,
que menos extasiamos a realidade,
que menos apaixonamos nosso olhar pela vida em si.

Saraueiro

Saltei sobre minhas alegrias e as esfaqueei.
Minhas vozes se fundiram, se dissiparam e se uniram novamente
enquanto ecos de um modernismo fajuto tocavam meus ouvidos arrependidos:

Antanho, acordei em meio às tribos de poetas ambulantes,
com os quais vi a poesia trazer à face o riso do idiota.
Não que fossem menores, mas eu não pertencia a eles.

Sufoquei minha reclusão para tal,
o que não foi agradável ou gratificante.
Apenas misturei talento à pieguice de colegas de arte.

Provei demais! E aquele foi meu primeiro e último engasgo!
Agonizei minhas lembranças atordoadas,
atenuei minha própria culpa e o mérito que deram a eles
para, ao término daqueles poemas circenses,
poder gargalhar para dentro num ato de repulsa e desligamento.

Merda de poema

O riso de uma vida pautada em claridade,

os mares abertos à sensibilidade.
Todos hão de convir que sonhei!
E sonhei para dizer que viverei
mais uma vez a dura realidade disjunta,
a miséria e toda a merda da poesia conjunta,
a labuta, o enfado, a caneta e o paraíso.
Sou eu quem escarneia, é meu o sorriso
de poeta pouco, que conjura melancolia
para sanar sua dor, sua seu amor e poesia.

Todos se foram

Todos os julgamentos de meu coração dilacerado,

sendo, para mim, a mais tênue e mentirosa obra de minha mente:
um poeta fingidor que ama e escreve apaixonadamente…
– São pensamentos que criei por meus olhos estarem deveras paralisados:
Estive genuinamente feliz, pode-se dizer,
e não posso reclamar – não agora – de qualquer trabalho depressivo.
Embora não tenha família, nem sequer um amigo,
tenho o amor e sentimentos para dar a você.
Todos se foram, e, para meus olhos, é verdade,
somente nós existimos – em nosso mundo, repleto de rosas,
com as quais desabrochamos e morremos em nossa conjunta realidade.
Mas todos estão ali, em sonhos de poemas e memórias de prosa.
Dizem que às vezes aparecem, que vêm visitar nossa singularidade.
Porém, não há sensação solitária, estranha ou diferente. Apenas onerosa.

Há pouco

Amor, que será, amor, sem amor?
Viver deliberadamente, caminhar pelas lâminas de névoa que sobrevoam minha mente,
sonhar um sonho infante, sentir-se pleno no vazio?

Não se lamente, não sinta-se sozinho,
pois a vida é lamentação e a solidão bate à porta.
Há pouco tempo para viver.
Há pouco, vivi.
E o que há para ver
é a tragédia de existir.

Amor, que será, amor, sem amor?
A canção de mim mesmo grita nos vergéis indomáveis, impassíveis.
Sou parte daquilo, estou ali, de fato.

Atenciosa, amorosa e gentilmente,
tornamo-nos seres sociais.
Reduzidos a algarismos, resumidos em poesia,
nem mesmo lemos nossos poemas,
nem mesmo estamos presentes.

Amor, que será, amor, sem amor?
O tempo passa e a vida se extingue,
não me ensinaram a escrever um poema, não me ensinaram a viver plenamente.

Nem mesmo sei quem sou.

Palas

Corpos, tumultuosamente unidos,
em laços de miséria e acordos sombrios,
em umbrosas e noturnas plagas
– por onde se estendem os domínios das negras asas
de anjos nefastos e caídos.

O amor desfalece sobre as costas dos transeuntes.
Fico atônito, angustiado, frio e acústico.
Seus ecos ocos me invadem e já não me possuo.

Meus sonhos, por sua vez, dissonantes,
contemplam a continuidade do cerco
das tais lôbregas asas infantes.
É certo que voam acima de minhas cabeças
e que minhas mentes são deveras profundas e rasas,
mas elas crescem e transformam os meus em pesadelos.

Corpos, tumultuosamente unidos,
somam-se gota a gota, carne a carne, reduzindo-se a algarismos.
Estaremos todos imundos, pérfidos, feridos
ao somarmo-nos ao monte de merda amorfista… aos angelismos.

Corpos, tumultuosamente unidos,
em laços de miséria e acordos sombrios,
em umbrosas e noturnas cidadelas de Palas
– pela qual lutam e honram os domínios das entrevadas asas
de anjos nefastos, caídos.

Uivo

Quantas madrugadas, ainda, teremos que deixar
sonolentas, impassíveis, ébrias, violentas?
O piano já está trancado, as violas, guardadas
e os musicistas já se retiraram para seus úmidos aposentos.

                                            São lágrimas nas paredes. Lágrimas e gritos, disseram eles.

Desfilamos pelos corredores como nobres embriagados,
Em direção ao nosso quarto, marchamos cambaleando
e desfalecendo nossas roupas, seguindo o véu invisível
de nossas realidades conjuntas.

                                                                                                         [Uivos pelas janelas. 

Exploremos.
A chuva que não molha realmente,
Juntos, ajoelhando na escuridão.
Corações mutilados sob as sotainas.

A música volta a tocar enquanto todos estão dormindo.
Estamos nus, abraçados, nos fodendo e sorrindo
ao som de um nirvana umedecido.

                                                                              É só suor, eles disseram. Continuem.

E os anjos sexuais permaneceram ao nosso lado,
escrevendo, descrevendo e sugerindo novos prazeres litúrgicos e carnais.

Rasgaram a Palavra.
Cuspiram na cruz.
Nós ali, nos fodendo, sob os uivos cada vez mais estridentes.

Quantas noites, ainda, passaremos acordados,
bebendo e fingindo fugir da realidade?

A música parou novamente.

As paredes secaram e se silenciaram.
Os mortos soergueram.
Todos caímos, todos caem.

E por você, minha amada, não me faltará amor, sonho ou ebriedade.

Mas, amanhã pela manhã
voltarei a ser o poeta das esquinas,
dos versos soltos, como nós,
dos poemas retos e apoéticos…

um ser limitado e obtuso como qualquer outro.