com os olhos exporei a meu amor

com os olhos exporei a meu amor
a tristeza e os sentimentos que ressinto.
ela me abraçará forte, eu pressinto,
e me mostrará sua beleza e esplendor.

da existência, entretanto, só retiro o horror,
e já não me entrego tanto quanto sinto.
fico a devanear com o olhar extinto
o vazio, o mistério da inexistência e a dor.

mas quando ela chega ou passa e me abraça,
tudo ganha um propósito: o vazio é repleto,
e não sou uma mera mórbida alma numa carcaça.

existem cor, vida e confiança, e é tudo muito discreto.
beijo-a e digo que a amo: nada para nós é desgraça,
tudo é simplesmente a amplidão do nosso amor secreto.

438 e 28

a vista é turva, e não existem paredes
para me ocultar do julgamento de outrem.
eu gastei uma fortuna,
e o controle não foi instaurado.

pelo contrário.

a vista se empalidece e a dor de cabeça me absorve
(como se eu fosse sua dor).

poderia dizer que isso acontece todos os dias:
poderia mesmo banalizar a inexistência,
mas eles sentiriam muito mais do que eu.

então, me levariam a um hospício.
loucos, loucos, loucos!
cada filho da puta, cada rosto
lobotomizado, demente, inerte…
só quereriam se livrar de mim!

mas não seria como eles.
cuspiria neles – se fosse.

mas agora estou aqui, na merda desta cama forjada,
neste quarto arranjado no meio de um hospital de loucos,
estou aqui porque tentei acabar com minha vida
sem deixar vestígios, sequelas ou ressentimentos.

gastei uma fortuna – e não os tenho.
terapeutas que pensavam saber de tudo.
psiquiatras que me doparam sem vergonha,
rindo de mim pelas costas

por eu ter vinte e um anos e não saber me adequar a este espetáculo.
que péssimo ator.
sempre me falaram que minha dicção não era boa.
que eu não era eloquente.
agora tanto faz.
tudo tanto faz.

não sinto tanto, não sinto muito.
não estou emocionalmente ligado a eles,
a vocês e aos outros.
não estou e nem estarei.

gastei uma fortuna e o troco que me deram
foi uma lavagem estomacal.

438,28 por uma caixa de aristab
com o desconto!

só se pode tentar ser são quando se é rico.
e nem rico sou.
por isso o lamento.

além do esperado

baixo os olhos e no silêncio já não adoeço.
somente o aceno em todos os lugares
reage à lacônica rouquidão dos olhares,
pois de ti nada sei, nada conheço.

mas, num instante de descontração,
em ti pulsou algo pelo qual tenho apreço:
o tenro sorriso, o olhar imerso em emoção…
sempre a ti direi que te enobreço.

falante, por fim, sem qualquer doença,
brotam de ti curas para toda cicatriz,
e jamais permeaste o mar da indiferença.

tudo que é vivo, simples e doce te diz
que se consolida em teu nome, em tua presença…
e tudo que mais desejo é ver teu coração feliz.

identidade

não tenho identidade para voar além de mim. minhas asas estão descoladas, nuas e descoloridas. a alma se foi há muito, mas ainda ouço as vozes mortas ecoarem em minha mente. não posso ser no amanhã. que é o amanhã? falar do futuro é vago e impreciso. mas falarei no futuro. terei uma voz. não, não terei. serei algo digno de ser algo. não, jamais alguém será nesta carcaça. depressa. a imensidão de todos me parece vazia. e já não sou tão repleto quanto pareço ser. não respiro, ofegante, ofegante, não penso, não sou. não tenho identidade, minhas asas quebraram e não há conserto. um eterno Ícaro no labirinto, sim, em partes. porque acho que jamais voei, não tive tempo, estive pensando em outras coisas, muito ocupado para me libertar. agora pago o preço por ter desistido de mim. e quem me dá crédito? não mais vejo gente, não mais, a agonia de estar em solidão é presente. mas não quero ver o povo, não quero ser parte dele. não quero explorar, também, quero ser ambíguo e só. sem solidão. e essas vozes ainda repetem o chamado, Venha conosco, venha, dizem, mas não quero me desfazer. não quero virar outra voz a vagar pela eternidade. sou ínfimo, sou esgotável, e sei que meu esgotamento está aqui, no agora.

fora

suportemos o que impõem, aguentemos a coerção do espectro vigente, de quem está no olimpo de nosso tempo, e chamemo-nos deuses. impactemos sua morada, destruamos seu poderio bélico. sejamos todos e sejamos tudo. só assim a mera sobrevivência deixará de ser característica à vida.

pulsão

tudo se inicia com uma partida? concepção é partida desta a uma pior, vazio abissal, mente inquieta após tanto tempo digerindo o que digeriram para nós. e assim é a vida? momentos de intranquila existência, da qual tentamos escapar – com medo e fugidios – para partir em outra direção? o que interessa é o início. que importa o fim se o fim é o final? somente os meios para atingir o começo, a partida, importam. e ainda digerimos o que digeriram para nós. este texto, por exemplo, será consumido por uma massa de um ou dois sem senso crítico. a partida, onde estará? às vezes os excrementos que consumimos de outrem são nossa mudança. são o ápice do descontentamento, do esgotamento, e nem mesmo sabemos o porquê de estarmos tão cansados, apáticos, mutilados pelo não ser. e tudo que atravessa nossas vidinhas mixurucas? somos sobreviventes. sobrevivemos ao outro e eu, ao externo e interno – com maestria. por um instante, apenas. pois o fim, como disse, é o final, e nada escapa ao obscuro abraço da morte. nossas pulsões, tão libidinosas e doídas, tão queridas e odiosas, se materializam uma na outra. se uma existe, a outra é consequência. o fim do eu, entretanto, é o seu fim. contudo, nada desloca um ser como sua pulsão dominante.

bloqueio

além da escuridão, permeio a infelicidade, mas nada importa senão a angústia que acalenta o peito, pois é melhor sentir do que ser insensível, disseram, e se foram com suas conclusões acerca de outrem: eu: elemento falido, cansado, impotente e destruído. já escrevo com muita dificuldade, o tino não me acompanha neste encontro repugnante com o papel vazio. a memória falha, a escrita falha, o mundo falha, e eu, falho, tento ser perfeito num universo fadado ao desencontro, à imundice e imperfeição. tudo é dor. a cada novo dia, um novo sofrimento. até dizem que quem sente muito é especial, e dizem ser especiais os que não se adequam ao mundo. mas de nada adianta tanto sentimento se sou disfuncional. de nada me servem elogios. só me resta a angústia de ver a merda do papel em branco, revirado e amassado de tanto apagar rascunhos. aqui, somente este abajur escasso me beija uma semi-luz, e é todo o amor que tenho. olhe, disseram, você é bonitinho, talentoso… não deveria sofrer tanto. não. não deveria mesmo, ninguém deveria. se felicidade fosse escolha, eu escolheria ser feliz. é só uma fase, vai passar, como se o bloqueio fosse a razão de minha doença. esbanjo um novo vício escritural, recebo uma dura crítica dizendo que sou excessivamente repetitivo. foda-se. vivemos escrevendo o mesmo texto. só parece que ele se esgotou por um momento. logo virá, logo virá.

Gênesis

No princípio, os homens inventaram-No para tentar sanar e explicar o mundo vazio, abismo em trevas, peito destroçado pela angústia do não saber. E disseram-nos: “creiam que existe algo além de vocês”, e houve quem existisse sob essa circunstância. E viram, então, os homens, que era boa a crença, pois a harmonia se faria da esperança em algo que pudesse confortar e assistir os anseios, os sofrimentos, as dúvidas. E dividiu, portanto a sociedade em Bons e não tão bons. E disseram os homens: “haja uma separação entre os bons e os não tão bons, e haja separação dos não tão bons aos péssimos” (aqueles que não estavam totalmente de acordo com o que o Petulante, livro escrito por homens bons – para homens bons, dizia, isso porque é melhor não crer do que crer pela metade, segundo o Petulante). E nomearam Escolha a separação, e à angústia no peito chamaram Ofensa, e foi a exigência de Respeito e Tolerância a primeira atitude dos escolhidos. E ordenaram os homens: “ajuntem-se, mas não ajuntem-se tanto”. E viram, os escolhidos, que eram Bons. E disseram os homens aos Bons: “produzam ódio debaixo dos lençóis, e que a hipocrisia gere frutos segundo a sua estirpe, cuja semente está plantada nesta terra”. E produziram ódio, e a hipocrisia gerou seus frutos. E viram, os escolhidos, que eram Bons. E assim foi a segunda atitude destes. E nomearam Dignas e Valiosas as ações Boas, e essas constituíram a terceira atitude deles. E disseram os homens: “iluminem-se através do Petulante, pois somente ele há de esclarecer tudo que existe no mundo, assim como Ele, que há de ser amparo e justificativa para todos os erros e acertos, pois Ele está trabalhando para o melhor”, e assim criaram um Eu fraco, totalmente dependente do Outro. Essa foi a quarta atitude deles. E os homens colocaram homens para espalhar a Petulância – mesmo sabendo que nem todo homem era Digno de ser Bom. Assim, as falhas desses Espalhadores seriam perdoadas e o escândalo, amenizado. E foi assim que os Bons mais influenciáveis se deixaram levar pelos maléficos, que corromperam sua índole e moral. Quinta atitude dos escolhidos.  E, pensando serem melhores do que os outros, os homens disseram a eles: “espalhem a Petulância, multipliquem os Bons e levem a Verdade aos não tão bons e péssimos! Que nós os façamos à nossa Imagem e Semelhança”. E o tentaram fazer. Mas os Intolerantes e Desrespeitosos acabaram com a Moral dos Bons, que se deixaram influenciar pelo caminho do Ruim, do Horrendo e Inaceitável, concretizando, assim, uma sexta atitude. Em seguida, os homens descansaram, pois não havia o que fazer para solucionar o impasse. Apenas disseram: “frutifiquem-se, multipliquem-se, mas sempre às escuras, pelo silêncio, pela Petulância”.

procuro onde não há

cidade esta
e vívidas vidas não vividas
e todos embriagados
com a porra do amor
que não se materializa no dia a dia
mas eu vi, senhoras e senhores
eu vi e conversei com eles
toda aquela gente ensanguentada
perdida em meio à sujeira e ao desatino
perguntou:
que importa a porra do amor
se não temos nem a dignidade
que deveríamos ter?
e disse mais um monte de coisas
de difícil compreensão
não entendi porque não sou um deles
sempre tive tudo que quis e precisei
não deveria escrever sobre isso (ou deveria?)
mas aqueles que vi, aqueles não
tinham condições de escrever
estavam imersos na miséria
da incondição humana:
muitas bocas esvaziadas
tal qual os respectivos peitos
calados para evitar o cansaço
o esforço desnecessário
e eu, que só tinha um resto de refrigerante
e um ínfimo salgado
e umas palavras para jogar fora
tentei não ser como os comuns à nossa época:
não me toquei o toque de Midas
não esbanjei superioridade (porque não o sou)
conversei, perguntei, contei… sorri

trouxe à luz existências há muito obscuras
trouxe a glória do amor a essas vidas esquecidas
e elas me iluminaram com seus toques humanos

poesia

amo o mundo gentil
que se faz do azul
do amarelo coração
– num universo sutil.

hei de me debruçar sobre teus versos,
e, em uns dois outros universos,
perseguirei a glória
com que te amarei.

e como quem caminha sob o fundo
do céu de minha memória,
me instalarei em teu mundo,
cantarei os meus versos,

e ao menos lá, poesia serei.

solução

hoje cerrarei
meu punho
em torno de uma lâmina
de luz estranha
estrondosa
pouco refletora
e radiosa
e farei de minha autodestruição
um deleite
a meus olhos
atentos

sou matéria angustiada
matéria triste
carrancuda
e preciso de ajuda
para me livrar de mim mesmo

hoje
hoje é o dia
hoje cerrarei meu
punho em torno da agonia
e
pela
primeira vez
serei livre de todo sofrimento

Angústia

Já não sei sofrer o coração partido, e a angústia se consolida no vazio do vazio, que é minha forma mais concreta de dizer adeus. Preciso partir. E preciso porque não suporto essa gente. Não suporto os trejeitos, espetáculo circense; odeio suas vozes estridentes; sua presença me dá náuseas e repulsa. Mas sou como a maré: vou e volto para jamais ter que me despedir de fato, pois, no fundo, sei que sentirei sua falta. Mas não porque são importantes, não. Não é isso. E também não os amo. É tudo costume. Estou acostumado a estar perto. E que é o amor senão costume? Amor, por sinal, é um revólver descarregado. Não serve para explodir meus miolos, nem para aliviar o peso dos desnudos corações. Chega um instante em que o cansaço vence, que somos derrotados pela depressão e ansiedade, até que, num impulso, nosso mundo cai em ruínas. Não vejo a hora, porquanto o trabalho de existir, rude e emburrecedor, só tem como fim a permanência (querem que sejamos funcionários para sempre – até nos invalidarmos por idade ou exaustão). Há pessoas que gostam disso. Eu não. Não nasci para ser escravo. Essa vida não me basta – e já não basto à vida. Vou partir.