Falta

Para além de afetos cindidos, há muito desejo um abraço: calor específico de músculos tesos e específicos, envoltos em minha solidão contínua, angustiante e específica, como se toda a angústia acabasse num estrangulamento afetivo, específico, que irrelevasse que é o peito o, de fato, estrangulado. Há tempos deixei de crer que a solidão seja sobre o outro e que todos que nos perpassam tenham qualquer compromisso com qualquer coisa para além de si. Sei de tudo isso e mais um pouco – e sempre insuficientemente. A fissura no peito, que tanto cativo – em repulsa -, afasta os braços que conheço, pois jamais poderão oferecer o refúgio certeiro do que fujo e do que me escondo. Seria injusto acusar-lhes dever. O abandono é frequentemente do abandonado, e a insuficiência esgota e desmobiliza. No entanto, apesar de muito conhecer, dentre tanto Narciso que me habita, falho em não me refletir. O abraço específico que almejo clama por atenção, mas por ser genérico, especial e não-especial para quem também é e não é especial, não decifro o que talvez pulule aos meus olhos. Busco outro em mim, e o vão de meus braços encontram somente o vazio de meus abraços.

nas praias do meu país

talvez fosse dia e já de todo existisse
horizonte
                alaranjado no além

    pulso
             do verso eunuco
    além

cerúleo      marulhar      espumoso
a (náiade)      onda      me distrai

indistintas vozes de sal e saudade
em sibilos-ventanias
                         à concha de ouvidos

tudo é pouco ouvinte mouco
e talvez fosse dia

acontece que talvez

Latifúndio

retira-se aos pecados
sacro sulco-sepulcro
santificai
tronco em riste e a face triste
raízes sem fim à terra aos pecados

lavra que acusa e acusa
recusa de tudo se usa
e destrói

larva da drusa e da gusa
abusa do solo e lhe usa
e corrói

e santificai
todo humano-eu
na chuva o arado lavrado o solo
pobre não produz
nesta rubra terra
que seu ralo sangue rega.





Sem tempo

dentre o todo que me escapa
algo ainda aqui cativo
se é carvão, incêndio ou brasa
no coração tudo imagino.

até antes do que penso
algo ainda aqui existe
um breu ao bleu, de todo imenso
no coração tudo resiste.

acorda, criança!


Gruta

tenho um plano que me tem
lúgubre fundo – mundo luminoso.

havia dias antes do dia
bélico, meu duplo
eu na peleja gargalhava

o murro na boca
curva
o morro na testa

e a gente ria! e se escondia
atrás da macondo os olhos abertos
já ardidos nos cantos de tantos soslaios

queda dupla de soco e tropeço
em ensolarada manhã o galo cantava
na face inocente

a gente ria

era de sorrisinho banguela
buraquinho
tão criança, tamanho marmanjo

a gente ria

do luminoso mundo – fundo abismal
tenho culpa que me tem

e quando cansou-se

foi-se,                          meu duplo
seco
ponto final no pescoço ao lado
da macondo

o tronco seco.

BRASILIA, SYLVIA PLATH (1932-1963)

BRASÍLIA

Sylvia Plath (1932-1963)
Tradução: Paulo Mielmiczuk (1995 – )


Hão de ocorrer,
pessoas essas com torso d’aço
dorso de asa e buracos

Esperam massas
da nuvem sua expressão,
Essa super gente! –

Meu bebê pregado
pregado, arrastado.
Rangem engraxados

Ossos à lonjura.
E eu, quase extinta,
seus tri dentes cortam-

-se em meu dedão –
E a estrela,
A velha história.

Na pista há rebanho e vagões,
Mãe terra, sanguínea.
Ô ser que fode

Gente como raios-luz,
Deixe este
Reflexo livre, presos

À aniquilação do pombo,
A glória
O poder, a glória.

Sylvia Plath


BRASILIA

Sylvia Plath (1932-1963)

Will they occur,
These people with torso of steel
Winged elbows and eyeholes

Awaiting masses
Of cloud to give them expression,
These super-people! –

And my baby a nail
Driven, driven in.
He shrieks in his grease

Bones nosing for distance.
And I, nearly extinct,
His three teeth cutting

Themselves on my thumb –
And the star,
The old story.

In the lane I meet sheep and wagons,
Red earth, motherly blood.
O You who eat

People like light rays, leave
This one
Mirror safe, unredeemed

By the dove’s annihilation,
The glory
The power, the glory.