Histeria

Um sono intenso cai sobre mim,

a palidez ascende ao rosto triste,
e tudo de mais lindo que existe
canta um sincero e doloroso fim.
A lastimável e adorada treva
deseja que de mim eu remova 
todo indesejo e devaneio à alcova
pois ela enfim, num sonho, me leva.
Viverei de meu ócio e minha loucura!
enquanto ela, doce como a poesia,
revelar-se-á à minha luz escura.
E hei de atar minha cólera e melancolia!
ao ilustre desgosto, de alma pura.
Hei de matar-me sob o véu da histeria.

Burro

é possível ver

meus olhos carrancudos,
estampados à
face triste
de uma poesia idiota
e corriqueira,
exibindo sua inteligência
neandertal 
em seus olhares incertos,
na melodia que toca 
ao tocar tua pele áspera,
nos timbres e texturas
de tuas retardadas, infantes
e desrespeitosas 
brincadeiras lastimáveis.
enquanto cruzas meu caminho,
sequer existo, sequer me vês, 
como pensei que verias,
como pensei que te importarias
quando estás, de fato, sozinho…
pois quando estás acompanhado,
tudo que chega a mim não é o olhar,
mas a troça, a ignóbil mensagem 
de um anencéfalo que preferiu
o falar inútil ao calar preferível.
é preferível, digo,
ver meus olhos
abertos enaltecendo
meu próprio espírito déspota,
maquiado, inseguro, exangue
do que me submeter a ti
ao concordar.
coitadas elas, abusadas pelo corpo,
pelo desejo e pela palavra.
coitados eles, não orientados
pela mesma circunstância.
coitados eles, ainda escravizados
pelo gozo alheio.
coitados eles, maiores ou menores,
amorfos ou disformes.
coitados eles, injustiçados já na 
concepção – e pela concepção de outrem.
mas, na verdade, não há coitadismo.
há injustiça e burrice.
burros são os asnos, idiotas, indolentes,
pois não enxergam nem o que está na 
superfície. 
e enquanto o meu redor
poetizar meus olhos
para criar, sentir, ouvir
e dizer,
coitados os burros!

Perimo teus olhares, e tuas espáduas eternizam

as obsolescências e tragédias que não cicatrizam
o sofrimento deste poeta carrancudo e apaixonado,
que já entrega-se ao pânico do espanto circuncidado.
Teus olhos, dois globos perfurados pelo vazio,
corpos e substâncias sujeitados a um triste estio,
no qual viram tanta decadência, que pouco reluziram:
pensam que sobre a infância e a alegria todos mentiram.
O poeta é um ser anacrônico. Não a Poesia.
“Não à Poesia”, eles entoam – em seus interiores.
“Não há Poesia?”, me questiono, melancólico, sem melancolia.
Perimo teus olhares, pois não preciso de novos amores.
Carrego todo tipo de sofrimento, e não há palavra ou sinfonia
que me traga ao idiota o riso, o brilho… ou, à vida, cores.

Trago-te meus olhares incertos

Trago-te meus olhares incertos

aos seios da face obscura e triste.
Trago-te, também, meus olhos abertos,
poesia e todo o ardor do pior que existe.
Por que deveria te escrever versos?
Não sabes que sob o efeito do ódio estou?
Ainda em tuas lágrimas e universos,
o olhar é tudo e somente o que te restou.
Trago-te, portanto, o soslaio da retina,
o desenlace de um amor esgotado
em antidepressivos e aspirina…
Trago-te teu pulso caído, desapaixonado,
de volta e cuspo no teu poema, que termina
com a revolta de alguém que odeia – e é odiado.

Ela é minha companhia

Ela é minha companhia.
Saboreio seu cheiro

de sangue e cigarros
enquanto cutuco as feridas

em meu pulso caído.
Ela é adorável,

e sorri de soslaio para mim.
Sempre sorri,

pois as retinas em seus olhos
não codificam a tristeza,

não sabem o que é a miséria
em uma vida podre, procrastinatória.

E não há motivo para ficar triste,
não há infortúnio que resista

à alegria que é estar a seu lado,
porque caminhamos tanto!

e agora, acabou.
Ela é o suicídio que faltava em minha vida.

As retinas se esforçam, mas não têm clareza,
somente a dor que da mente desce ao peito
pulsa neste corpo desalmado pela tristeza,
imerso em ações não compreendidas… sem jeito.

O céu se escureceu e assim o fez meu coração.
Irei embora, pois não sorrirei novamente,
não despertarei minha morta e doentia emoção,
e não despejarei lágrimas de um olho doente.

Minhas palavras são um inferno.
São o motivo pelo qual consterno,
mas convido cada letra a florescer,

poque não tenho ganas em vida,
não tenho gente amada, querida,
e ainda me contento em morrer.

Ausência

ausento-me.
não posso negar que me ausento
e que os dias me parecem ser eternos,
bem como as noites, que trazem consigo
a terrível agonia de viver.

ausento-me.
e as estrelas, que deixam buracos ao partir…
são todas contadas, pois são todos assim
para mim também.

ausento-me.
não posso negar que me ausento,
porque não tenho o que dizer quando me perguntam
o que acho de tal assunto, pois não tenho interesse.
porque não sei o que pensarão de mim.
porque não sei… não sei?

ausento-me.
e tudo é cada vez mais profundo.
e tudo a minha volta é raso e imundo.
tudo é falso e obtuso. tudo é esquecimento.

ausento-me para não me aproximar.
não me aproximo e sinto falta.
não me aproximo,
porque quero evitar a dor da perda,
mas sofro com a saudade de alguém que nunca tive.

ausento-me para me isolar,
e olhar ao redor com distanciamento,
pensando ter sido excluído por outrem…
pensando que poderia estar ali, mas não poderia, pois

ausento-me.
e isso me corrói,
isso me faz pensar
que o mundo
jamais foi feito
para pessoas depressivas

me faz querer desistir.
mas sigo em frente,

pois deixar  quem é próximo
“é egoísta”.

mal sabem que
não me conhecem, apenas convivem.

e egoísta mesmo é saber que alguém sofre por estar vivo,
é pensar que se é dono desse alguém…
e não deixá-lo partir.

Às vezes, nos ecos dos silêncios,
o esquecimento toma as rédeas,
e, incompleto, traz consigo a incompletude:
mistura de baixa autoestima, obsolescências
e o frio do medo e implenitude.
Até que aprenda a desamar para amar,
os hiatos na paisagem, o vazio pela janela,
o que se esconde nos átomos do coração,
a música saudosa e os sons
de uma nova, ociosa e muda tristeza,
o carinho e a carência serão consequência e causa.
Serão matéria para todo o sofrimento,
e todo alento que for desperto
será indeterminadamente momentâneo.
O que canta corrói a alma do quieto.
A inveja, fruto de ser e de querer,
arde na mente do invejoso, e, calado,
somente canta a agonia de não ser.
São vistos os mistérios de todo sofrimento,
a dor espraiada, profusamente profunda…
dorme, vespertina…
dorme, que a noite engatinha e evolui meu tormento.