Crepúsculo

És nuvem do crepúsculo, amor, que vem a mim
nua e alaranjada entre os tímidos e introspectivos
raios de sol – já tardios, já ocultos no manto
negro que levemente cai sobre a cidade.

És o beijo que o céu dá em si mesmo
como o desejo de boa noite que sempre
te dou antes de adormecer e partir
com meus mais densos e profundos sentimentos.

Sempre ao acordar, reconstruo a claridade em tua face
para que teu brilho desfaleça e não venha a ofuscar
tua imagem: a mim muito mais reluzente.

Então, como o dia e a noite de nosso dúbio amor,
tua própria claridade se apaga e dá lugar a minha…
até que outra vez parta e retorne no dia seguinte.

Insônia

no escuro, da cama, escrevo em papéis amassados
um poema para alguém que queira ler palavras ao léu,
dispostas, sem qualquer sentimento ou vaidade,
em linhas finas, tracejadas linearmente.
olho pela janela e vejo alguns homens conversando
num bar aberto até de madrugada.
estão todos bêbados e fumando cigarros caros…
rindo sozinhos uns dos outros… sem perspectiva de vida.
enclausurados em sua mediocridade.
no escuro, ninguém me vê, e continuo a contemplá-los 
enquanto as palavras me fogem neste singelo poema que escrevo.
uma pilha de livros na bancada,
a leitura deveras atrasada,
revistas e jornais jogados por toda parte…
a cidade dormindo – e nós aqui.
três da manhã e nada… a insônia me consome.
um poema fraco escrevo
e já me perco num sono mal elaborado.
melhor parar por aqui.
amanhã talvez continue.

De Neruda

Não te quero ao esquecer-te e não te esqueço por querer-te
Não te espero por esperar-te ao cantar-te, ao amar-te
Não te quero por querer-te, nem te quero por amar-te
Mas amo assim: em altos e baixos, em segredo e por adorar-te.

Do alto do telhado

O telhado escuta folhas secas de outono
à ausência que proporcionam poemas
de verão e palavras gélidas de invernos
frios e silenciosos a mim, aqui, sozinho.

“Onde estás?” se perguntam todos tolos
e bobos por acharem que encontrarão
resposta em alguma árvore desfolhada
ou emplumada: cantando a sós a vida.

E eu aqui, vasto e amiúde, penso em palavras
para descrever os sentimentos mais belos
que o homem poderia sonhar sentir.

E eu aqui já não mais escrevo por estar
apaixonadamente poético: sem palavras,
sem poemas… apenas um amor em mim presente.

Werther

Tristes são meus olhos que escorrem em si 

mesmos de tanto que, por amor, por ti,
sofri, ó amada, ó querida. Tantas noites
se passaram enquanto memórias corroíam os açoites de minha vida.
Em minha mente, enquanto, sozinho, vaguei,
pensando em ti e em todas as preces que preguei
ardilosamente amei o que chamo de amor…
e tudo por ti, ó amada, ó querida, ó Leonor!
E, agora que estás longe e distante de meu coração,
nem um abraço, nem uma lembrança
pode resgatar a nobre e esquecida sombra e esperança
de nossa tenra e ocultada paixão.
E, agora que estás longe, contento-me em amar a distância
que nos conveio e envolveu desde, talvez, nossa infância,
a qual já morreu, e jaz em paz num sentimento de felicidade
maior do que eu, e maior que toda nossa sentimentalidade.    
Porém, agora que estou livre de teus pesadelos, 
continuo perdido em singelos e entrelaçados novelos
de angústia e aflição… por amar Charlotte, fruto de meu
amor pelo sofrimento – de um amor que já não é mais teu,
mas esta caminha em beleza, em formosura,
e, se não erra, pode-se dizer que nem mesmo rasura
as emoções que sente, quando sente por outrem
o que eu, aqui, sozinho, sinto por alguém.
Porém, nem mesmo me olha. Nega minhas emoções
e refuta meus olhares apaixonados, repleto de paixões.
Parece até uma dama-sem-teto,
agora que casou-se com o nobre Alberto.
Só que um beijo lhe roubei, 
todavia, seu homem não serei
e se existe algo que um homem não possa ter,
talvez já nem mesmo valha a pena viver.

Misantropia

Quando emergi das profundezas de minha alma errante,

descobri que o mal do homem é o próprio homem.
E assenti para as malícias do mundo, as quais me consomem,
e me desintegram em meu eu gentil, perdido e ignorante.
Quando emergi do reino submarino de meu corpo absorto,
entrei em coma psicológico, e dos desvios borderline me desvencilhei…
Estive ocluso, misantrópico, fechado na própria ilusão que criei…
e me libertei para uma vida pautada na alegria, sorrisos e conforto.
E o leitor perguntará se é possível se curar dos males do mundo
enquanto eu, poeta de nome, pequeno em palavras e imenso em sonhos,
tento enxergar um destino otimista – a mim oriundo.
E questionará se sou herói de mim mesmo,
um mendigo fedorento em minha mente, imundo,
ou apenas alguém levando a vida meramente a esmo.

Amo em silêncio, meu amor, o amor que deveras sinto

Amo em silêncio, meu amor, o amor que deveras sinto
por ti, pela Lua, pela estrela e por teu contentamento.
Amo em segredo o amor que sinto, e sequer minto
ao ocultar meus sentimentos em teu próprio sentimento.

Amo em minha mente, meu amor, em amores inventados,
amores que ainda não foram proferidos, nem proliferados.
Amo buscando o vazio, o simples, o “eu te amo” em todos os versos
que escrevi para ti quando em ti me perdi, imerso.

Amo-te sozinho, em um auro amor de instante…
que perdura até hoje em meu coração de eternidade
e segue amando sem fazer do amor distante.

Amo-te em mim, refletido em ti como se fosse eu.
E amo a ti sem orgulho, preconceito e vaidade
agora que meu coração não é mais meu.

Algo a mais

em diversos ângulos examinamos a cidade.
durante a lua,
a cidade é uma,
durante o sol,
a cidade é a mesma.

mas não a vemos,
não cantamos conforme a melodia de nossos olhos.

negligenciamos a vista
por nos cegarmos.

a poesia é a cidade
nossos olhos, a cegueira.

Noite

o barulho do chuveiro do vizinho,

as portas que se abrem e se fecham sozinhas,
o latido gélido de cachorros de rua,
as luzes noturnas da cidade sem voz.
Já é noite.
os ônibus que passam levando consigo casas desbotadas em escuridão,
os gemidos de casais amorosos,
a TV ligada, a música ecoa.
Ainda é cedo para poesia.
Mas é noite.
o canto de crianças atemporais,
as inúmeras luzes que chovem sem ser vistas durante a chuva solar,
o liquidificador, a vitamina, o sanduíche 
e a saudade.
É noite.
É.

Um quarteto de tercetos

Correr mãos lânguidas por páginas de livros dispersos
é deixar a saudade em seus dedos, enquanto rabisca palavras
em linhas imaginárias em sua completude.

Correr mãos trêmulas por outras mãos
é deixar a marca do nervosismo ou ansiedade
inerentes à condição de estar apaixonado.

Também transcorro mãos lânguidas e trêmulas.
E com uma frequência sutilmente avantajada…
como se cada poema fosse um pouco do que sinto a cada segundo frio e amoroso.

Transcorro minhas mãos pelas suas
e a felicidade reflete a felicidade de seus olhos.
É um dia perfeito, estou dançando.

O Coração Amarelo

Meu coração desbota em amarelo
como a paisagem de janelas claras,
que transbordam palavras escuras.

Meu coração desbota em amarelo
como o som de violinos num entardecer
alaranjado de poemas e versos tardios.

Meu coração desbota em amarelo
por não amar o suficiente para dizer que amo.
E ainda assim te amo – com um coração deveras doente.

E ainda assim te amo – com um amor findo e limitado;
E ainda assim te amo – com todo meu coração, apesar de desbotado.
E ainda assim te amo – como o laranja e amarelo de um coração poente e delicado.