sem

Nunca pedi muito da poesia,
mas que me desse um coração
ativo, que se fizesse do sangramento,
da pulsão,
e, assim,
me curasse dos obstáculos que insiro
no mundo que criamos
para tentar conter todo o sofrimento.

Dicotômico entre o peso e a dádiva
da vida, nunca pedi muito
senão uma miséria de versos
para ler solitário. sozinho. imerso.

Atravessar o fogaréu de possibilidades
num corpo de gelo ainda não é sensato.
Mais razoável seria viver
em casas abandonadas por homens de outrora?
Não, não, façamos tudo de novo.
Deixe-me recomeçar onde tudo começou.
Deixe-me passar a viver
sem a consciência de que vivo.

irreparável

meu silêncio se arrasta por lugares solitários,
eu rastejo pelo silêncio que lamento
e é um Outro equivalente que segue estes passos.

que importa se nos equiparamos e equivalemos?
meu silêncio assusta e repulsa, irreparável.
que fazer se o que fiz é o que farei?

sou responsável, eu somente, pelos assombros,
soluços e espantos que causei ao redor,
e já não consigo me amparar no Outro que me ampara.

expresso-me violento e inexpressivo como se fosse solução.
estendo-me pela porta do mundo e por ele caminho
em confuso e introspectivo alento,

dos fatos, em plena e muda distorção.

brother

Will you be there, brother,
when they call me sick
and put me inside a bell jar?
Will we still love one another
with humble aspects
and heal ourselves from evil scars?

Can I touch you before we go?
How to be happy in this painful living?
You, yourself, have set me here…
Still you’re all I’ve got from this scarse world’s giving.

Like an angel in tears you were sent to me,
you gave me air and you gave me light…
From childhood, you have been always there:
in a place all bare… through dark and stormy nights.

Let me stay in your arms until they call
and let me look at you once before we part.
Will we still love one another? I’m afraid of all, brother.
I’m afraid they rip off my clothes, my heart…

Goodbye. I may never see you again,
because my illness will be treated in vain.
I’ll be so swollen, so bored and transformed…
What will you do to me?
I can’t face it. I’m already dying!
How to trust others when my own brother has been always lying?

Domingo

Torno a mim quando acordo de súbito, assustado: nove horas, horário ácido. Chegarei atrasado. Mas os detalhinhos sonoros em meio aos detalhões, já tão acostumados, me aguçam a lembrança. São os motores automobilísticos, engenhocas eletrodomésticas e uns estalos vindos do corredor que remontam meus medos de criança. Será que ainda sou o que fui? E o que fui? Despertar deveria ser negligenciado nesse dia, pois os domingos são os piores.

Dizem que escritores podem criar seres, países e universos – e que esses escritores também confiscam elementos da realidade e inserem-nos em suas obras para expor o que se passa em seus tempos. Lembro-me de tudo que se passou em um ínterim de alguns versos, porque escrevo o que me vem à mente, mas o que me vem à mente é sempre mórbido. Isso me entristece. Minha vida é um Godot acorrentado em meu quarto, em minhas memórias, em meus textinhos – subjetivos demais, ocos demais.

Espelho. A imagem opaca que se estabelece no lugar de minha face é angustiante. Um rabisco, um borrão? Quando pequeno, sempre pensei ser maior do que era. Hoje, crescido, sou menor do que imagino. Por quê? Se o silêncio me compõe, o que componho eu? E o sangramento excessivo, o estancamento em segredo? Tudo me compõe; não componho nada.

E ainda sou tão esquecido. Esqueci-me dentro de mim. Agora, olho para o interior a todo momento, procurando alguém – sem saber direito quem. Injusto ter de me caçar em vez de me olhar no espelho e pensar “uau” uma vez na vida? Talvez não. Sempre me atentei mais aos outros. Nunca me amei. Porém, isso não quer dizer que não possa amar. Acredito no narcisismo dos que se amam, pois ele ainda é um polo adverso à razão e ao amor. Somente imersos em razão é que deixamos o Eu de lado. Mas… Deixa pra lá… Nada realmente importa num dia de domingo.