erro

admito –
não valho a vida
que me conceberam.

pessoas passam, fingem me ver,
e não confio nelas…

assim como não deveriam confiar em mim,

pois
não valho a confiança
que me depositaram,
sou apenas um problema
apoético, denso e pesado.

sim, sou um estorvo às pessoas,
que, sem mim, passariam com mais calma,
serenidade e… confiança?

nada do que faço sobrevive ao horror de minha imagem,
não tenho ambição;
todos dizem que meus projetos
falham:
mas são retratos meus.

me disperso, não sou vítima,
pelo contrário, culpado ao máximo.
e, por isso, a vontade de encerrar-me
esmaga meu peito mórbido e doente:

onde já se viu amar idiota?

meu rosto desbota em palavras esquecidas,
sim, sou esquecido – e deve ser assim,

e o julgamento começa no Eu, mas termina
em rouquidão e sangue.

sem consciência, sigo furtando espaços.
nada é meu, senão o vazio –
e só isso já é muito.

lepidópteros

alcancei-te, devo dizer, confundida
em teu aspecto de olhos pequenos:
vagando profundamente à difundida
memória dos meus: doídos, serenos.

amo-te desde então, falena escondida,
inundando-me em ti, em complexos venenos,
que, do silêncio desta tristeza ressentida,
brotam meus mais lindos acenos.

amo-te com minhas vastas dores mentais,
mas, também, com minhas sanidades pequenas
– e o que resta deste tino transgressor.

amo-te por nossas vidas acidentais,
que, das intactas crisálidas às tristes falenas,
tornaram-nos símbolo da imensidão do amor.

opaco

lábios entreabertos
diriam meu eu escondido.
em teu discurso lânguido
– triste – repetitivo –

a imensidão do breu,
sugestiva e afugentadora,
é espelho opaco,
derme dramática, fria, mentirosa.

e meus soluços, choro, calafrios
são apenas formas para dizer
que não tenho medo,
apenas efeito colateral.

sou filho do sangue e comprimido,
corte vazio deprimido,
ebriedade
lassidão.

tédio implorado, o pior melhorado,
nem más intenções me auxiliam
nas doídas unhas roídas
de nervosismo – vício – aflição.

Deslido

jamais as vastas veias vazias
se preencherão…

nunca serei eu mesmo,
e até eu mesmo já me canso de mim.

gota a gota, me desfaço
em palavras insignificantes.

mas, no pleno significado de minha lânguida angústia,

escrevo.

estou farto.
estou far
estou
sou
morto como poema deslido.

descaminho

na solidão também me aprofundo,
e nela penso que o abismo existe
no denso e roto universo imundo,
quieto, lento, a magoar-me, triste.

em teu seio hei de encontrar alento,
serei, portanto, dono mesmo de mim,
enquanto o psicológico for tormento,
sairei desta quente redoma enfim.

“vivi”, direi, “o mais belo que pude,
em meio à graça melancólica e infinita,
transcendente à euforia ‘solitude’,
que em meu âmago apático habita”.

“errei”, mantra, “por vítreos encantos,
amores sem fim, tristezas, amarguras,
meus sinceros desejos – foram tantos –
realizados de formas honestas e seguras”.

mas aquela solidão ainda me permeia,
aqui me atrai e aqui me alimenta:
o poeta é maldito, e tudo que anseia
é o que a doce maldição o orienta.

na solidão encontro um descaminho,
e com ela o abismo se expande.
sou poeta solitário e sozinho,
mas ela não permite que eu ande.

Inexprimível

Pensei que o lamento por ser quem sou cessaria ao entrar em contato com a alegre e contagiante impressão que causo nos outros – segundo os outros. Parece que harmonizo almas, reconcilio relações. Meus gestos tardios são solitários, todavia. Decerto, algo contribui para meu aniquilamento. Algo desconhecido… E algo me falta para que chegue esse fim. Esperar a salvação? Iluminar-me ao comparar-me a alguém? Meus olhos, entretanto, estão voltados para dentro. São opositórios, negligentes e irritantes. Sou, sem dúvida, um porre ensimesmado!

Nada há, senão a mágoa infinita. E existo, ainda, irreparavelmente morto por dentro… deve ser a solidão, deve ser este sofrimento que se confunde com o próprio mártir… mas de nada sei, entrevado pela profundeza de um sórdido lamento contínuo, exceto que já não adianta lutar sabendo que não haverá êxito.

Pensei, também, que cantar a ranzinza lamúria justificasse quem sou, docemente afogado em falsos sorrisos tortos, no triste olhar ressentido, na profunda melancolia que assombra e deteriora este semblante pálido e apático. No entanto, nada explica o fenômeno que é a tristeza. Nenhum prazer, nenhuma certeza, nenhum sussurro ao anoitecer é capaz de justificar o dissabor que é existir com o vazio – a vida inteira.

eu lírico ou poeta

imagens e reflexões fluem das palavras,
carregando consigo minha ira e veneno,
minha criança morta, meu gesto obsceno,
minha desgraça e silenciosa derrota.

são placebo e tristeza remota,
sofrimento contíguo transportado
à face nua e desprotegida do caderno:
companheiro de torpeza ignota.

eu te assusto, amigo? te assusto com estes versos?
tudo que tenho são palavras de natureza duvidosa,
são poesia frouxa, criada em material reciclado,
material mental, cuja sanidade me foge.

imagens e reflexões fluem das palavras,
carregando consigo minha tristeza corriqueira,
minha criança chorosa, minha desgraça doída,
minha pública farsa horrorosa.

domínio

essa mente, tão querida e odiada,
tão caótica e tranquilizada,
só traz miséria – importante para mim.
e ela vai e vem, tão solitária, tão sozinha,
que me identifico e me submeto
aos seus domínios enfim, muito mais
farsantes e obscuros que meu semblante
inexpressivo, minha dor mascarada,
ódio depressivo, carcaça amaldiçoada.

não sou cruel, senão comigo mesmo.
conflitos materializam minha reclusão,
e estou, agora, tão separado de mim,
que a reflexão se faz em pranto,
desalento… desencanto.
sou mero fantoche da mente,
mas uma alheia, não a minha,
e fitei-a tanto, pois estou doente,
que sequer me coloco em primeiro plano.

O quarto

Escuridão. Vozes diminutas, do outro lado, materializam minha solidão. Ainda não sei se é vazio, mas tateei pelas paredes – e nada encontrei. Nem mesmo uma maçaneta, nem mesmo uma janela… Quem predomina é meu silêncio. Por isso escuto o mundo, por isso ouço o que dizem, e aqui me melancolizo – a ponto de querer me encerrar, sem enxergar possíveis métodos eficazes para fazê-lo… – e me culpo. Como cheguei aqui? perguntarias, se soubesses de minha existência. Na verdade, acho que nem quem me concebeu se lembra de mim. Esta merda de quarto arranjado, meu poço de lágrimas: poço de mágoas, como eu!
Nenhuma estrela me ilumina, neste período em que vivo – se é que vivo – a sós. O teto está penumbroso, mas sinto que deveria ser assim. Se não fosse, imagina o mal-estar que causaria minha presença. Porque se lembrariam de mim caso me vissem, apesar da aparência possivelmente deformada à lembrança que teriam. Grandes expectativas me cercariam, porque fui um escritor, um poeta bem-sucedido que deixou tudo para trás, de alguma forma, para permanecer encarcerado aqui, na calmaria eloquente do caos interno. E decerto frustraria quem as criou. Decerto sou um enganador.
Tentei gritar, mas não me ouviram. Tentei bater nas paredes, mas não se mexeram. Agora, tudo que me resta é minha mísera lembrança, instrumento capaz de me melancolizar mais ainda; de me transportar para um passado remoto, em que apanhava na escola e em casa, sem poder me defender. Passado este, quando chorava em silêncio e às escuras, como agora, sem que ninguém percebesse ou acordasse, pois eu não era importante… Nunca fui, acredito. E acredito piamente. Partindo dessa crença, as cavidades passaram a tomar conta de meus abraços. Rotos, assim os chamo. Assim são eles. Sempre com ímpeto e afeto, sempre afastados com um empurrão… Nenhuma estrela me ilumina desde que era pequeno. E agora, meus abraços se contentam com o vazio de meus braços, com minhas pernas recolhidas, com a solidão de um miserável.
Antes, perguntavam se estava tudo bem. Como se tudo estivesse bem com eles. Como se se comparassem a mim. A meu estado, digo. E sempre me disfarcei com a pose de uma pessoa-de-bem-com-a-vida, sorridente e positiva. Mas de tanto se acostumarem com essa máscara, renegaram meu posto depressor e depressivo e tentaram desconstruir o que em mim estava cristalizado. Nunca com grande esforço. Tentavam por meio do verbal, do discurso, do qual estou farto, e de nada adiantava. Talvez, se me perguntassem neste momento, dissesse que não. Que não queria responder, digo. Pois não sei o que se passa aqui, nem sei onde estou. O que sinto é minha cabeça girando. Parece que me doparam com antidepressivos, infelizes drogas que nos robotizam, apesar de haver, sem dúvida, diminuição do sofrimento.
Sinto que deve ser assim: devo me isolar das pessoas para deixá-las em paz. Para que elas vivam. Aquelas vozes diminutas, doces vozes inquietantes, para sempre serão minhas companheiras. Mesmo que se ausentem, mesmo que decifrem minha reclusão e me salvem desta prisão, ainda terei a mim. Meu passado, repleto de doídas lembranças, será, eternamente, meu lúdico instrumento… até que a morte me enclausure num outro quarto – chamado Nada.