poslúdio

figuram-se os desfigurados
os semi-desertos dissonantes
as lágrimas dos desgraçados
à luz ecoam

Le Cygne e Clair de Lune ressoam
o irrevogável extermínio dos amantes
se concretiza num duradouro lamento

pobres almas lutam e descansam
descansam? não pergunte
o eterno amante de ontem
agora é desconhecido

hesitam, inanimados
e deixo que partam
deixo que ressurjam o olvido

em algum tempo, haverá tempo
para que distrações distraiam

por ora
permanece a pergunta entalada na garganta
mas o engasgo é próximo
obstruirá as vias respiratórias

no final do amor, o que surgiu foi desconhecimento
um rol infinito de revisões
e nada mudará
um rol infinito de acusações
e ninguém assumirá

a criação destrutiva corrói corações

tudo conhecemos e agora te esqueço
a manhã ensolarada não foi vista
a tarde amena e sonolenta foi perdida
e a noite, adoecida

o sentimento adormeceu e a angústia se espreguiça
e atiça e atiça e atiça
minha inconstante e irrelevante atenção:

nascemos. crescemos. envelhecemos. morremos
nascemos. crescemos. envelhecemos. morremos

e onde me perco nisso? onde me encontro?

medi minha vida com um punhado de versos
e agora? que fazer?

os corpos se foram
as vozes se foram
as lembranças se foram

tenho a mim? o naufrágio me enlouqueceu

começo a vida num ponto obscuro, em prantos
existo e me crio como criado de outrem
deixo o tino e parto em silêncio

afogado, finalmente me encerro.

Crepúsculo incompreendido

À aurora da enigmática e imprescindível metáfora dos degraus de ouro – situados em um mar de crisântemos, irrigado por amenos e breves raios de sol, por sua vez descontinuados pelo nevoeiro arroxeado e perfumes e fragrâncias de todos os tipos – vejo o reino celeste pedindo que eu suba.

Fragmentos de meu rosto desbotado caem durante o percurso, mas permaneço no trajeto. Adornada de rubis, espalhados por toda parte, uma alva cúpula é sustentada por pilares de ágata e ametista com finos e curtos bastões em cada uma de suas pontas – simbologias de chegada e de partida.

A escadaria aos céus de grafite desmorona sob meus pés, mas permaneço sereno enquanto dou o último passo nos degraus de ouro.

Então, como se um deus de forma desconhecida, olhos enormes e braços amorosos ouvisse meus sussurro, minhas asas desabrocham, se preparam e partem… partem comigo para o infinito do desconhecido.

os idiotas

mais uma vez
à face nua
pouco importou a ausência

bateram, sim, e muito
mas nada ecoou dos heróicos

nunca souberam sofrer
e duvido de seus depurados e silenciosos heroísmos
absolutos

acompanhada, a solidão implacável
iniciou a clausura
e os cessares choraram, enormes
pelos rincões de abate explícito
e torturas idolatradas inominavelmente

o que se viu foi evitado e propositalmente
esquecido
por sorte, a poesia não me registrou
e então sempre fui invisível

crianças e suas almas nefastas
esperneiam
se esparsam
se reproduzem
à imagem e semelhança da doutrina
de seus progenitores
símbolos colossais da náusea

deixem-me, por favor, no frescor
de minha ainda presente humanidade

há tempos, chorei tanto e por tanto tempo
que as lágrimas secaram a face
o coração ainda pulsa, mas pulsa duro
e apático ao que sempre identifiquei aqui

imagino como funcionam os outros
funcionam?

pensei tanto na morte
e pensei por tanto tempo
que agora está normalizada

não há fim por causa nobre
ninguém morre por humano ideal

e se eventualmente vir a morrer
temo ter de recomeçar o espetáculo cíclico
que o Anjo da História vem sempre anunciar

escutei e ainda escuto
a maldição pensante que fizeram da vida

a náusea me faz cada vez mais inútil

os ecos os ecos os ecos
de Liév Nikoláievitch Míchkin são dissipados
pelo conjunto da obra: aplausos para a miséria
orgulho pelo ódio e vaidade pelas ignorâncias

a humanidade é, de fato, desumana…

e ninguém quer reconhecer seus diabos
caminhando de mãos dadas consigo por todo o sempre